Foto: Fotos de Pedro França/Agência Senado e Cristiano Mariz/O Globo
Tenente-coronel relatou aos investigadores que o general procurava saber quem estava inflamando o então presidente a tomar ações drásticas contra as eleições de 2022
O Em depoimento à Polícia Federal, o tenente-coronel Mauro Cid afirmou que atuava como um elo entre o então presidente Jair Bolsonaro e os militares da cúpula do Exército. Nessa função, Cid explicou por que mantinha informado o general Freire Gomes, então comandante da instituição, sobre as discussões do suposto decreto que ocorriam no Palácio da Alvorada, no fim de 2022. Segundo o tenente-coronel, o general demonstrava preocupação com o assunto, queria saber quem eram as pessoas que estavam inflamando Bolsonaro e se o ex-mandatário estava disposto a pôr em prática um decreto que visava anular as eleições daquele ano.
Cid prestou esses esclarecimentos ao falar sobre as “atualizações” que deu ao general Freire Gomes sobre as minutas do decreto em um áudio enviado em 9 de dezembro – dois dias depois de Bolsonaro convocar os chefes das Forças Armadas, entre eles Freire Gomes, para uma reunião no Palácio do Alvorada.
“Boa tarde, general. Só para atualizar o senhor que vem acontecendo e o seguinte. O presidente tem recebido várias pressões para tomar uma medida mais, mais pesada onde ele vai, obviamente, utilizando as forças, né (…) A pressão que ele tem recebido é muito grande. (…) Ele enxugou o decreto, né? Aqueles considerandos que o senhor viu e enxugou o decreto, fez um decreto muito mais resumido”, diz a mensagem captada pela PF.
Segundo pessoas a par das investigações, Freire Gomes monitorava a situação no Alvorada por meio de Cid e sempre procurava saber quem estava estimulando o então presidente a levar adiante a ofensiva. Os investigadores consideraram o depoimento de Cid, que durou mais de 8 horas, como “esclarecedor”. A oitiva foi dada no âmbito da colaboração premiada que o ex-ajudante de ordens firmou com a PF em setembro do ano passado, após ficar preso por mais de 4 meses.
Desde os seus primeiros depoimentos, Cid procurou eximir Freire Gomes da participação na suposta trama golpista. Segundo ele, o general se portou como um militar legalista que se posicionou contrário aos planos. O general é tratado, por enquanto, pela PF como uma testemunha dos fatos e não como um investigado.
No último dia 1º, Freire Gomes foi ouvido por mais de 8 horas na PF em um depoimento no qual implicou diretamente o ex-presidente. Segundo a colunista Míriam Leitão, o general contou que foi o próprio Bolsonaro quem lhe apresentou a minuta em uma reunião ocorrida em 7 de dezembro, no Palácio da Alvorada. Na visão dos investigadores, como o general se dispôs a falar sobre o que aconteceu no fim de 2022, isso o eximiria de uma eventual acusação por prevaricação.
No status de colaborador, Cid foi chamado a prestar novos esclarecimentos em função das novidades trazidas pelo general.
Há um ponto divergente, no entanto, na forma como Cid e a PF veem a suposta trama para reverter o resultado das eleições de 2022.
Na versão do tenente-coronel, o que a PF considera como “minutas golpistas” seriam discussões de “cenários” que seriam colocados em prática apenas se fosse descoberto a ocorrência de fraude nas urnas eletrônicas — o que não aconteceu. Os “cenários” envolviam a decretação de um estado de sítio, anulação das eleições, realização de um novo pleito e a prisão de autoridades, entre elas do presidente do Tribunal do Superior Eleitoral (TSE) Alexandre de Moraes.
À PF, Cid também explicou por que gravou a reunião ministerial de julho de 2022 na qual Bolsonaro e ministros defendem “ações” e um “plano B” a serem implementados antes das eleições de 2022. Segundo ele, Bolsonaro sempre lhe pedia para gravar os encontros para produzir material para as suas redes sociais. O teor daquela reunião, no entanto, só foi revelado pela investigação da Polícia Federal no último mês.
Conforme pessoas que acompanharam o depoimento, Cid também falou sobre os casos das joias e do cartão de vacinas nos quais ele também é investigado. Boa parte dos questionamentos da PF, no entanto, se dedicavam a tirar dúvidas sobre o suposto plano golpista.
O Globo