Foto: Reprodução/Ettore Chiereguini/AGIF/AFP.
A música “O Bêbado e a Equilibrista”, dos compositores João Bosco e Aldir Blanc, eternizou a frase “A esperança dança na corda bamba de sombrinha”, capturando com rara poesia o delicado equilíbrio entre otimismo e desalento durante os anos da ditadura militar. Décadas depois, essa citação ganha novo significado ao descrever os desafios enfrentados pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no cenário político atual. Como peça-chave do governo, Haddad se vê em uma posição delicada, tentando conciliar a responsabilidade fiscal com o ímpeto do presidente Lula em aumentar os gastos públicos. Essa tensão ficou evidente com a divulgação dos últimos dados orçamentários de 2023 pelo Banco Central, revelando um aumento na dívida bruta do setor público para 74,3% do Produto Interno Bruto (PIB), totalizando 8,1 trilhões de reais.
Esse crescimento se deve em parte ao déficit de 249 bilhões de reais registrado pelo governo em 2023, o pior desde o início da pandemia e o segundo maior da história. Embora parte desse déficit possa ser atribuída a pagamentos extraordinários, como os de precatórios, o resultado representa um revés para Haddad. “É difícil implementar uma política fiscal que exija cortes significativos de gastos quando tanto o Executivo quanto o Legislativo disputam onde alocar recursos”, observa o economista Marcos Lisboa, ex-secretário de política econômica no governo Lula.
Embora o nível atual da dívida pública não sugira uma crise iminente, ele inspira preocupação, especialmente considerando sua trajetória de crescimento. Nos últimos dez anos, o Brasil registrou um crescimento médio anual da economia de apenas 0,6%, enquanto a dívida aumentou significativamente, passando de 51,5% do PIB em 2013 para 74,3% em 2023. Essa tendência representa um avanço acima de 2% ao ano, indicando que, para cada 0,1 ponto percentual de crescimento do PIB, a dívida aumentou 0,4 ponto. Essa proporção, se mantida, poderia complicar ainda mais o cenário fiscal brasileiro.
Apesar dessas preocupações, alguns fatores podem ajudar a aliviar a situação. “Espera-se uma recomposição dos preços das commodities este ano, o que favorece o Brasil e oferece um alívio adicional”, observa Alex Agostini, economista-chefe da Austin Ratings. No entanto, projeções indicam que a dívida pode atingir 77% do PIB este ano e 80% em 2025, de acordo com a Austin Ratings e outras agências internacionais como S&P e Moody’s. Embora a política fiscal mais expansiva do governo atual seja vista com ressalvas, recentes melhorias institucionais, como a independência do Banco Central e reformas tributárias, contribuíram para uma elevação na nota de crédito brasileira, conforme observa Manuel Orozco, diretor da S&P.
Além da proporção da dívida em relação ao PIB, é fundamental considerar a capacidade do país de absorver os débitos contraídos. No entanto, a redução da poupança nacional e a composição da dívida, que inclui gastos com previdência de curto prazo e juros elevados, representam desafios adicionais. Embora a flexibilização da política monetária possa ajudar a reduzir o custo da dívida, o governo também precisa explorar outras medidas, como concessões de serviços públicos, para controlar o endividamento. Enquanto isso, o Brasil continua sua jornada delicada na corda bamba econômica.
Com informações da VEJA.