Quando Alyssa pisou pela primeira vez em uma escola, percebeu que a vida que levava “não era normal” e que aquele contexto de hipersexualização estava condicionado à “normalização de muita coisa errada”.
Era uma ideia de ‘Deus é amor, e amor é sexo’.” Alyssa Veiga
A comunidade usava as relações sexuais para, segundo os líderes, expressar a devoção a Deus. Em outras palavras, sexo era “coisa de Deus” e não poupava as crianças de abusos em nome da fé.
Não se falava em consentimento ou em reprimir as violências. Pelo contrário, qualquer questionamento era mal visto e considerado “diabo no corpo”, relatam.
Foi isso, acreditam elas, que as impediu de perceber os abusos que estavam sofrendo.
Todo mundo foi vítima de pedofilia. Não consigo nem contar quantas vezes foram, porque era no cotidiano, na nossa casa. Os adultos saíam do banho e deixavam a toalha cair no chão. Os mais velhos agarravam, passavam a mão, faziam piadas. Aos 7 anos, ouvia comentários como ‘você vai crescer e ficar gostosa’. Mas tinha de ser educada. Todas as adolescentes que eu conheci, sem exceção, foram abusadas.” Alyssa
Agora, adultas e fora do isolamento, elas conseguem nomear as práticas: estupro de vulnerável (ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos).
Nos levava para um quarto [da soneca]. Fazia de uma forma que não tivesse penetração, para não deixar vestígios, com a mulher dele [de um integrante, encarregado de cuidar das crianças] consentindo. Na verdade, ela meio que nos raptava. Eu não entendia o que estava acontecendo, se era certo ou errado. Ele dizia que era sonho e que, se eu contasse para os meus pais, eles me abandonariam. Então, fingia que nada acontecia.” Priscila
Andressa lembra do mesmo homem —e de outros. “Eu tinha entre 10 a 11 anos, ele não chegou a encostar em mim, mas ficava se masturbando na minha frente enquanto eu e a esposa dele dormíamos na cama”, conta.
Já Alyssa tem lembranças nítidas de abusos semelhantes praticados por quatro pessoas.
Imagens com conteúdo sexual nas ‘Cartas de Mo’
Aos 7, também foi violentada pelo responsável pelas crianças da comunidade e por um adolescente, de cerca de 16. Depois, aos 12, lembra de um homem de 22 anos e de um homem mais velho, a quem ela chamava de “padrasto” e que morou na mesma casa que ela dos 5 aos 13 anos.
Era nosso cuidador: organizava nossas rotinas e, quando eu chegava de atividade ou ficava em casa sem meus pais, ele tinha mais acesso. Tudo era colocado como carinho, eu não entendia que estava sendo molestada.” Alyssa
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