Suzane Louise von Richthofen, 40 anos, matou os pais, Manfred e Marísia von Richthofen, para ficar com a herança. Foi com essa tese que o Ministério Público conseguiu condená-la a 40 anos de cadeia. Logo após o crime, ocorrido em 2002, Andreas von Richthofen, 36 anos, entrou na Justiça para impedir que a irmã-parricida recebesse metade dos bens da família. À época, Suzane havia catalogado todos os bens dos pais, incluindo louças e mobílias da mansão onde morava e que serviu de palco para o duplo homicídio.
A disputa entre os irmãos foi parar no tribunal. Quatro anos após ficar órfão, Andreas ganhou o direito de herdar todo o espólio dos pais, avaliado na época em quase R$ 10 milhões. Na lista, haviam carros, terrenos, seis imóveis, entre eles a mansão onde o casal foi assassinado – vendida por R$ 1,6 milhão, além de dinheiro em contas correntes e aplicações. Hoje, 20 anos após a tragédia, Andreas não se mostra mais interessado no que herdou. Ele enfrenta 24 ações na Justiça de São Paulo por dívidas de Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU) e condomínios atrasados, somando um calote de aproximadamente R$ 500 mil. As informações são do O Globo.
Duas das casas herdadas por Andreas ficaram fechadas por tanto tempo que foram até invadidas por falsos sem-teto. A principal delas é a casa da Rua Barão de Suruí, na Vila Congonhas, onde a família von Richthofen morou antes de se mudar para a mansão da Rua Zacarias de Góis, onde Daniel e Cristian Cravinhos mataram o casal a pauladas. Essa casa tem três quartos e 300 metros quadrados e está avaliada em R$ 1 milhão. Lá, funcionaram duas editoras, a Magnum, especializada em armas de fogo; e a Etros. Depois que as duas empresas deixaram o imóvel, diversos corretores do bairro procuraram Andreas porque toda semana aparecia gente interessada em comprá-lo. Mas ele recusou todas as ofertas. A casa, sem manutenção, ficou com aspecto de abandonada. Recentemente, uma família se instalou lá clandestinamente.
Ao identificarem o abandono, os falsos sem-teto chamam um chaveiro e entram nas casas sem arrombar portas e portões. Limpam o terreno, fazem reformas, pintam a fachada, mandam ligar luz e água e passam a morar de graça até que alguém reivindique judicialmente a propriedade. No bairro de Campo Belo, onde Andreas tem outras duas casas, invasores já ganharam título de propriedade por usucapião. Trata-se de aquisição de imóvel por meio da posse prolongada, contínua, pacífica e sem oposição, também chamada no Direito Imobiliário de prescrição aquisitiva. O tempo dessa posse pode ser entre 5 e 15 anos.
A usucapião não é o único canal que pode levar Andreas a perder as propriedades herdadas dos pais. A prefeitura da cidade de São Paulo e do município de São Roque o processam por dívidas de IPTU. Só a casa da Barão de Suruí acumula R$ 48.524,07 em tributos atrasados, segundo levantamento feito em novembro de 2023. Essa pendência refere-se ao exercício 2021 e 2022, período em que a casa já estava ocupada por invasores.
Outro imóvel sob risco de ser invadido está localizado na Rua República do Iraque, no bairro Brooklin Paulista. Nesse imóvel funcionava a clínica da psiquiatra Marísia von Richthofen, mãe de Andreas e Suzane von Richthofen. Essa casa geminada de dois pavimentos tem 135 metros quadrados e acumula débito de R$ 20.170,17 até julho de 2023. Andreas chegou a morar no imóvel por alguns anos, época em que cursava Farmácia e Bioquímica na Universidade de São Paulo, entre 2005 e 2015. Esse período inclui um doutorado feito por ele em Química. Segundo vizinhos, Andreas reunia amigos e fazia festas esporádicas no local com outros estudantes mantendo o som alto até a madrugada. No entanto, os vizinhos de porta nunca se queixaram do barulho. “Esse garoto era tão triste que não tínhamos coragem de reclamar quando ele estava se divertindo com os amigos”, disse a dentista Olívia Massaoka, vizinha de porta da casa da República do Iraque.
Outro vizinho de Andreas na República do Iraque é o empresário Allan Zurita. Segundo ele, o irmão de Suzane alternava momentos em que se apresentava bem vestido e comunicativo e outros em que mal falava “bom-dia” e andava com a mesma roupa por até uma semana. Zurita já impediu duas vezes que a casa ao lado fosse invadida. Para não passar a impressão de que o imóvel está abandonado, o empresário pega os boletos deixados pelos carteiros na caixa de correios e paga a conta da luz. Ele também manda limpar o mato que cresce nos buracos da calçada e rente ao portão. “Minha intenção é comprar a casa dele, mas ninguém consegue localizá-lo para fazer a oferta”, diz Zurita.
Segundo amigos de Andreas, ele não pretende se desfazer dos bens porque mantê-los com ele seria uma forma de preservar a memória de Manfred e Marísia. No entanto, ele tem medo que Suzane acesse esses bens, já que o farmacêutico não é casado nem tem filhos, o que torna a irmã sua única herdeira. Ele costuma andar com uma medalha no bolso contendo o brasão da família von Richthofen. O irmão de Suzane acredita que é descendente de Manfred Albrecht Freiherr von Richthofen, piloto de avião conhecido como “Barão Vermelho”, que atuou na Primeira Guerra Mundial e morreu em combate no dia 21 de abril de 1918.
Sumido desde a pandemia
Andreas está sumido desde a época da pandemia, quando se refugiou em um sítio de São Roque, também herdado dos pais. Esse sítio ficou famoso porque, na época do julgamento de Suzane e dos irmãos Cravinhos, em 2006, foi revelado que o casal de assassinos planejou matar os pais dela incendiando essa propriedade para carbonizar o casal von Richthofen. Logo após o período de isolamento, Andreas comprou outro sítio no mesmo município. Essa nova propriedade fica isolada no meio do mato e tem difícil acesso. Para não ser incomodado, ele vive sem telefone celular e internet. É justamente esse isolamento voluntário que aumenta a possibilidade de Andreas perder seus bens, pois os oficiais da Justiça de São Paulo tentam localizá-lo para notificá-lo sobre os processos das dívidas e não conseguem. Nos autos dessas ações judiciais, os procuradores do município de São Paulo afirmam que vão preparar ações para levar os imóveis de Andreas a leilão, já que ele se recusa a quitar os débitos.
Segundo pessoas próximas, Andreas desapareceu definitivamente em janeiro de 2023, quando Suzane passou a cumprir o restante da pena em liberdade. Assim que ela ganhou a rua para andar, Andreas passou a ser procurado de forma insistente pela advogada de Suzane, Jaqueline Domingues. A defensora tentava costurar um encontro entre irmãos, algo que nunca ocorreu nos últimos 20 anos. “Andreas tem um misto de medo e amor pela irmã”, disse um amigo dele.
Em 2017, quando Suzane estava na saidinha do Dia das Mães, os dois irmãos tentaram se encontrar 15 anos após o crime. Na época, ele estava com 30 anos; e ela com 34. Andreas mandou uma mensagem para o celular de Suzane e os dois marcaram um encontro no município de Angatuba, onde Suzane morava com o ex-noivo, Rogério Olberg. Suzane propôs um jantar e Andreas aceitou. Mas ele não compareceu. No dia marcado, ele acabou capturado por policiais ao tentar invadir uma casa na Região de Santo Amaro, em São Paulo. Andreas estava em estado de surto e foi levado para uma clínica de recuperação, onde ficou internado por dois meses. As imagens dele correndo desnorteado pela rua e depois sentado todo rasgado num banco da ala psiquiátrica do Hospital Municipal de Campo Limpo, zona sul, são comoventes.
Andreas sempre teve seus interesses defendidos pela advogada Maria Aparecida Evangelista. Ela o acompanha desde que ele passou a brigar com a irmã pela herança dos pais. Nos novos processos movidos contra ele por valores devidos, Maria Aparecida não consta mais como procuradora dele. “O Andreas e a família preferem não se manifestar sobre os fatos ocorridos”, disse a advogada quando procurada pelo GLOBO. Na verdade, nem a advogada sabe do paradeiro de Andreas, pois ela tenta incansavelmente localizá-lo para impedir que os bens dele sejam leiloados para pagamento de dívidas públicas. Quem ficou com a guarda de Andreas até ele completar 18 anos foi Miguel Abdalla Netto, irmão de Marísia. Ele também não sabe onde o sobrinho está.
Os bens de Andreas localizados no bairro de Campo Belo eram administrados pela imobiliária Laert de João Imóveis. As corretoras também tentaram encontrá-lo durante todo o ano passado para que ele assinasse contratos de locação. Em vão. “A última vez que compareceu aqui, em 2021, ele estava irreconhecível. Estava tão sujo e maltrapilho que parecia um morador de rua. Aparentava estar em surto. Ficamos até com medo de abrir a porta”, contou a dona da imobiliária, que pediu para não ser identificada.
Andreas não dá a mínima para os seus bens materiais. A maior prova disso é o processo que o condomínio do edifício Greenwich Village Campo Belo move contra ele desde 2021 por inadimplência no condomínio. Só nessa ação ele já perdeu R$ 150 mil entre taxas e honorários de sucumbência, que são os valores que se paga aos advogados da parte vencedora de uma ação. Andreas comprou à vista em 2017 uma unidade de 32 metros quadrados no prédio por R$ 430 mil reais. O condomínio tem piscina, sauna, salão de festas, uma vaga na garagem, espaço gourmet e portaria 24 horas. Em 2023, o apartamento já valia R$ 630 mil, ou seja, valorizou 46%. Desde 2020, quando se mudou para o sítio, Andreas não paga condomínio (R$ 718 + taxa de reserva de R$ 22) nem IPTU desse apartamento.
Quando a dívida de Andreas em taxas alcançou R$ 17.184,53, a administração do Greenwich Village o acionou na Justiça. A primeira ação data de 4 de agosto de 2021. Como ele nunca se manifestou nos autos, a Justiça executou o irmão de Suzane a revelia. A pedido da advogada Bruna da Silva Kusumoto, representante do condomínio, Andreas teve a conta bancária bloqueada para pagamento da despesa. Como a taxa do condomínio é permanente, os valores são sacados da conta dele a cada três meses, assim como os honorários da advogada. “Vai ficar assim ad aeternum porque ele se recusa a pagar o boleto espontaneamente”, explicou Bruna Kusumoto.
O Globo