Protagonistas no rali do Ibovespa em 2023, com aportes de quase R$ 40 bilhões na B3 apenas em novembro e dezembro, os investidores estrangeiros devem seguir determinando os rumos do mercado local neste ano, conforme a indústria doméstica de fundos segue em busca de recuperação após uma forte dinâmica de saques e os investidores pessoa física esperam por uma queda mais acentuada dos juros para voltar à renda variável.
O saldo de aportes da categoria no ano passado somou R$ 44,85 bilhões, menos da metade dos R$ 100,82 bilhões em entradas líquidas registradas em 2022. Ao se observar apenas os dois últimos meses de cada ano, porém, o panorama muda: em novembro e dezembro de 2023 as entradas de recursos estrangeiros superaram as saídas, respectivamente, em R$ 21,02 bilhões e R$ 17,46 bilhões — já nos mesmos meses do ano anterior, o saldo positivo foi de R$ 2,92 bilhões e R$ 13,77 bilhões.
Conforme as taxas seguem caindo por aqui e os preços de boa parte das ações brasileiras continuam descontados em relação ao histórico, agentes globais seguem enxergando espaço para novos aportes e, consequentemente, mais ganhos. Não obstante, também é consenso que a trajetória da economia e dos juros nos Estados Unidos irão determinar, acima de tudo, como o humor dos mercados irá se moldar nos próximos meses, haja vista a performance negativa dos mercados na primeira semana de 2024.
As taxas dos títulos americanos, que vinham caindo, tiveram um repique para cima enquanto o mercado reavalia as expectativas para a política monetária americana. O movimento pressionou negativamente as bolsas americanas e o Ibovespa na semana passada.
O “payroll” (dados do mercado de trabalho dos EUA), publicado na última sexta-feira e que mostrou criação de vagas no país maior do que economistas esperavam em dezembro, corroborou com a leitura de parte dos agentes econômicos de que os juros no país podem demorar mais a cair do que o mercado precificava durante o rali do fim do ano passado. Agentes também voltaram a monitorar com mais atenção o cenário geopolítico no Oriente Médio, conforme as tensões se espalham para países com o Irã e os preços do petróleo avançam, dificultando o controle da inflação pelos bancos centrais.
Para Andres Abadia, economista-chefe para a América Latina da Pantheon Macroeconomics, a correlação entre os Treasuries e o Ibovespa deve continuar no primeiro semestre deste ano, enquanto agentes esperam o início do ciclo de afrouxamento de juros. “Mas esperamos alguma normalização no terceiro trimestre.”
Alexandre Reitz, chefe de renda variável da Julius Baer Brasil, também acredita que o cenário de 2024 é positivo. “Os Treasuries começam a dar sinais de que o pior ficou para trás no fim do ano passado, e em algum momento de 2024 vamos ver uma melhora no ciclo de crédito”, diz.
O comportamento dos títulos de dívida do Tesouro americano exerceu forte influência sobre o Ibovespa no segundo semestre do ano passado, em grande parte porque as taxas mais altas no exterior atraem recursos de investidores globais para os Estados Unidos, enquanto um recuo nos juros incentiva a migração para países emergentes como o Brasil.
Reitz lembra que, de certa forma, todos os ativos têm correlação com os juros americanos, mas que a relação tão próxima com o Ibovespa pode diminuir nos próximos meses. “O Treasury é a base para qualquer análise de ‘valuation’, então é difícil imaginar que não haverá mais correlação. Mas em algum momento, a curva vai se encontrar num patamar menos volátil e nós poderemos ver uma correlação menor entre os movimentos”, diz.
Enquanto as taxas americanas variam de acordo com a expectativa para o início do ciclo de relaxamento monetário, no Brasil, que começou a cortar juros antes dos países desenvolvidos, a continuidade das reduções na taxa Selic esperada para este ano deve ajudar as ações, de acordo com Yan Wang, chefe de estratégia para emergentes e China da Alpine Macro.
“O ciclo de queda de juros no Brasil ainda tem espaço para continuar e as taxas de títulos têm mais para cair. Os juros reais no Brasil estão mais altos do que na média histórica e também entre os maiores do mundo”, afirma. “O mercado de ações deve se sair bem na medida em que a inflação continua a recuar.”
Vale lembrar que, apesar da alta de 22,28% em 2023, o Ibovespa não teve trajetória linear de valorização no período. “O início do ano foi complicado, os fluxos externos ficaram mais fracos. Houve problemas internos no Brasil com relação à política fiscal, que foram se resolvendo durante o primeiro trimestre, mas também tivemos forte aversão global ao risco em março e abril por problemas no sistema bancário internacional”, afirma Reitz, da Julius Baer, referindo-se à quebra do Silicon Valley Bank (SVB) e aos problemas no Credit Suisse.
Ele destaca ainda que, a partir de agosto, houve uma frustração em razão das dificuldades na economia americana. “Especialmente a dinâmica de curva de juros dos Estados Unidos, que tirou parte do fluxo. Os rendimentos dos Treasuries subiram fortemente e isso aumentou a aversão a risco.”
No entanto, em novembro o panorama mudou. A inflação americana deu sinais de desaceleração, mas, na visão do mercado, sem grandes indícios de recessão, enquanto o Federal Reserve (Fed, BC dos EUA) adotou um discurso considerado mais “suave”. Agentes econômicos, então, passaram a precificar mais cortes nos juros americanos este ano do que se projetava anteriormente. A reavaliação de expectativas levou ao fechamento da curva de juros futuros dos Estados Unidos.
Além do exterior, o investidor estrangeiro também viu notícias positivas vindas do Brasil. “Os principais fatores para investidores estrangeiros têm sido: a queda da inflação para dentro da banda da meta do Banco Central, relaxamento monetário significativo, o real mais forte, e uma visão de pragmatismo do governo Lula”, afirma Juan Egaña, analista da BCA Research.
Abadia, da Pantheon Macroeconomics, diz que os fatores positivos que atraíram capital externo devem se manter em 2024, “presumindo a continuidade do pragmatismo no campo fiscal”. Ele vê o Brasil como um mercado forte para este ano. “Esperamos que o Ibovespa tenha um bom desempenho, dadas as condições externas melhores, a melhora dos fundamentos domésticos e o ‘valuation’, que continua atrativo”, afirma.
Reitz lembra que o Brasil se destaca positivamente entre pares emergentes. “O fluxo tem vindo principalmente para Brasil e Índia”, diz ele. “Existem poucos emergentes ‘investíveis’ ”, diz.
Entre esse grupo de nações, a Rússia vive guerra contra a Ucrânia e o crescimento da China ainda é incerto. As tensões geopolíticas entre o país asiático e os Estados Unidos também causam cautela entre investidores.
Egaña tem uma visão mais cautelosa envolvendo as perspectivas para os ativos brasileiros. Ele acredita que o viés otimista do mercado em relação ao país deve diminuir nos próximos meses. “Embora a autoridade monetária vá continuar ‘dovish’, isso, em conjunto com um mercado de trabalho ainda apertado e uma política fiscal mais populista, deve levar a um núcleo da inflação persistente”, projeta. “Ela até deve cair, mas vai se estabilizar e continuar acima da meta do BC no médio prazo.”
Fonte: Valor Econômico.