A dentista Hellen Kacia Matias da Silva encontra-se detida sob suspeita de realizar procedimentos estéticos que deveriam ser exclusivos de cirurgiões plásticos, resultando em deformidades em seus pacientes em Goiânia. De acordo com informações da Polícia Civil, a profissional utilizava as redes sociais para promover seus serviços, contando com mais de 650 mil seguidores em um de seus perfis.
A defesa da dentista informou ao G1 que só irá se pronunciar após ter acesso aos documentos do inquérito policial.
Em comunicado, o Conselho Regional de Odontologia (CRO-GO) afirmou que “medidas administrativas pertinentes estão sendo adotadas, respeitando o devido sigilo aplicável ao caso”.
Dentista Hellen Kacia Matias da Silva é suspeita de deformar pacientes em cirurgias estéticas, em Goiânia — Foto: Divulgação/Polícia Civil
O registro profissional da Hellen continua ativo em Goiás. No site da entidade, consta que a profissional é cirurgiã-dentista com especialidade em harmonização orofacial.
A divulgação da imagem e nome da dentista foi permitida pela Polícia Civil com o intuito de que novas vítimas procurem a delegacia para denunciar crimes.
Exercício ilegal da medicina
A prisão de Hellen aconteceu na terça-feira (30), a partir de evidências de que ela deformou o rosto de pacientes ao realizar cirurgias estéticas expressamente proibidas pelo Conselho Federal de Odontologia, tais como: alectomia (redução do nariz); retirada de pele excessiva dos olhos (blefaroplastia); lipo de papada (face lifting) e outros.
A investigação teve início em setembro de 2023, após a Delegacia Estadual de Repressão a Crimes Contra o Consumidor (Decon) ter recebido denúncias de que Hellen e outros três médicos estavam exercendo ilegalmente a medicina.
Segundo a delegada Débora Melo, responsável pela investigação, todos os procedimentos estéticos feitos por Hellen eram anunciados nas redes sociais da dentista por valores abaixo do mercado, atingindo um grande número de pessoas.
“A análise do celular e dos prontuários dos pacientes indicou o cometimento desses crimes contra pessoas muitas vezes humildes, que juntavam dinheiro para fazer uma cirurgia estética, que não tinham conhecimento que a profissional não tinha atribuição e que ficaram deformadas”, afirmou a delegada.
Entre as quase 300 publicações, estão muitos vídeos e fotos que mostram resultados positivos dos procedimentos em vários pacientes e legendas como: “Já imaginou você sempre bela? É possível com um combo de procedimentos que valoriza sua beleza e promove rejuvenescimento”.
Cursos
Em outros posts na internet, Hellen divulgava cursos em que ensinava para outros profissionais da saúde técnicas de procedimentos que só podem ser feitos por cirurgiões plásticos, como face lifting.
“Aprenda a revolucionária técnica de lipo de papada sem flacidez e diferencie-se no mercado de estética facial. No nosso curso está incluso todo o conteúdo com aula teórica e prática com paciente modelo”, diz uma das publicações.
De acordo com a delegada, além de vítimas de procedimentos realizados por Hellen, a Polícia Civil encontrou clientes insatisfeitos com resultados de procedimentos feitos por “alunos” da dentista.
“Além de promoverem procedimentos que não são autorizados, elas ainda têm ensinado outros profissionais a realizarem os mesmos procedimentos”, afirma a delegada.
Paciente reclama de resultado de cirurgia estética feita com dentista, em Goiânia — Foto: Divulgação/Polícia Civil
Em uma conversa tornada pública pela polícia, um paciente relata que, no dia em que se submeteu a uma cirurgia estética de blefaroplastia para a remoção de pele em excesso nos olhos, Hellen ausentou-se para almoçar, permitindo que outra pessoa realizasse o procedimento.
Em novembro de 2023, as autoridades policiais executaram um mandado de busca e apreensão nas instalações da clínica de Hellen, confiscando celulares utilizados na comunicação com os pacientes, prontuários médicos e outros materiais.
No aparelho, os policiais encontraram vários clientes de Hellen que ficaram com rostos deformados após a realização de cirurgias com a profissional. Por mensagens, pacientes reclamam de inflamações, cicatrizes e assimetria nos resultados (veja abaixo).
“O que chamou atenção é que não havia nenhum registro de ocorrência antes, foi só depois da análise do celular que nós vimos mais de 30, 40 pessoas que reclamavam dos resultados das cirurgias”, afirmou a delegada.
Pacientes que fizeram cirurgias estéticas com dentista reclamam dos resultados (Goiânia/Goiás/Hellen Kacia Matias da Silva) — Foto: Divulgação/Polícia Civil
Com base nisso, foram obtidas declarações de 13 vítimas da dentista, assim como depoimentos de ex-colaboradores do instituto. De acordo com as autoridades policiais, todos os relatos indicaram que a dentista não tolerava críticas ao seu trabalho, tratando os pacientes com negligência.
Adicionalmente, todas as pessoas entrevistadas pela polícia confirmaram a realização de cirurgias proibidas em locais inadequados (fora do ambiente hospitalar), representando um sério risco à integridade física dos consumidores.
Conforme explicado pela delegada, há vítimas de Hellen nos estados de Goiás e São Paulo, uma vez que a profissional viaja a trabalho, realizando tanto cirurgias estéticas quanto ministrando cursos.
Materiais vencidos
Nos primeiros levantamentos realizados no instituto dirigido por Hellen, localizado no Setor Oeste, as autoridades policiais descobriram uma variedade de instrumentos cirúrgicos, anestésicos e medicamentos expirados.
Na ocasião, tais materiais foram apreendidos e descartados pela Vigilância Sanitária, que, adicionalmente, emitiu uma autuação à dentista por inadequação do alvará sanitário do estabelecimento. O alvará não autorizava a execução de procedimentos invasivos.
Nesta terça (28), a clínica foi novamente vistoriada pelos policiais e novos produtos vencidos foram apreendidos. “Já na primeira fase havia sido recolhido material vencido na clínica e agora novamente. (…) São produtos controlados, que não poderiam estar na clínica”, reforçou a delegada.
Dentista é suspeita de deformar pacientes ao realizar cirurgias estéticas, em Goiânia, Goiás — Foto: Divulgação/Polícia Civil
Indenização
Em abril de 2023, Hellen e uma clínica estética foram sentenciadas a compensar financeiramente a quantia de R$ 10 mil a uma paciente, como forma de reparação por danos morais, em decorrência da deformação do nariz que ela sofreu após submeter-se a uma rinomodelação realizada pela referida profissional.
A decisão judicial menciona que um parecer pericial concluiu que ocorreu uma falha técnica na administração do ácido hialurônico durante o procedimento, resultando em necrose nasal isquêmica.
“No laudo pericial há a conclusão de que a existência de intercorrência do tipo necrose nasal isquêmica decorre da ação profissional, (…) evidenciada a falha técnica na aplicação do ácido hialurônico, logo, não tendo a parte requerida colacionado provas suficientes para contrapor essa conclusão, não há como afastar sua culpa”, considerou o juiz Danilo Luiz Meireles dos Santos.
Conforme informações do Tribunal de Justiça de Goiás, tanto Hellen quanto a clínica condenada apresentaram um recurso buscando contestar a decisão, contudo, este foi rejeitado. Atualmente, o processo continua em andamento, aguardando a execução da sentença.
As informações são do G1