Começam a valer nesta terça-feira, primeiro dia útil do ano, novas regras que limitam os juros cobrados nas dívidas no cartão de crédito, os mais elevados do setor financeiro para as pessoas físicas. A regra foi estabelecida em dezembro, em decisão do Conselho Monetário Nacional (CMN).
A partir de agora, o juro no rotativo do cartão não poderá ultrapassar 100% do valor principal da dívida. Dessa forma, a dívida total de quem atrasa a fatura do cartão de crédito não poderá superar o dobro do débito original. Atualmente, os juros do rotativo estão na casa de 430% ao ano.
Entenda, abaixo, o que muda:
Quais linhas terão o limite?
O limite definido pelo CMN vale para o crédito rotativo do cartão de crédito, hoje a linha de crédito mais cara do mercado para pessoa física. Essa modalidade é oferecida ao consumidor quando ele não paga o total da fatura do cartão de crédito até a data do vencimento mensal.
A partir dali o saldo devedor é acrescido de juros, e o total deve ser quitado na próxima fatura do cartão. O risco é o consumidor não conseguir honrar as dívidas no mês seguinte e a fatura se tornar uma bola de neve, já que os juros são muito elevados, apontam especialistas.
Quanto é o juro do rotativo hoje?
De acordo com dados do Banco Central (BC), a taxa média de juros do cartão de crédito rotativo para pessoas físicas ficou em 14,94% ao mês, ou 431,58% ao ano, em outubro de 2023, o dado mais recente disponível.
Desde meados de 2022, essa taxa oscila em torno desse nível. Atualmente, a taxa básica de juros da economia brasileira, a Selic, estabelecida pelo BC, está em 11,75% ao ano.
Antes do período iniciado em meados de 2022, a última vez que a taxa média dessa modalidade ficou acima do patamar de 400% foi entre os anos de 2015 e 2017, quando o país ainda enfrentava os efeitos da forte recessão de 2014 a 2016.
O que significa um juro de 400% ao ano?
Em tese, com os juros atuais, uma pessoa que deixe de pagar uma fatura de cartão de crédito de R$ 1 mil no dia do vencimento e passe um ano inteiro inadimplente vai chegar ao décimo segundo mês com uma dívida total de R$ 5.310.
Com o teto dos juros em 100% do valor original do débito, limitando a dívida total ao dobro do que deixou de ser pago, essa divida será de R$ 2 mil.
O que dizem os bancos?
A lei que criou o Desenrola, programa de renegociação de dívidas, sancionada em outubro, deu 90 dias para que o mercado apresentasse e o CMN aprovasse limites para as taxas de juros. Caso contrário, o total cobrado a título de juros e encargos financeiros não poderia ultrapassar o valor do principal da dívida.
Como não houve consenso no setor financeiro sobre regras alternativas a esse limite colocado na lei, o CMN apenas detalhou o funcionamento do teto já previsto.
Um dos motivos da resistência dos bancos à medida é o fato de que, segundo as instituições, a grande maioria dos consumidores não chega a completar um ano inadimplente para chegar a um juro anual tão alto.
Segundo o Serasa, há 71,8 milhões de brasileiros hoje em situação de inadimplência, conforme apontam os dados de novembro. Desse total, 20,8 milhões (ou 28,97%) possuem pendências com bancos e cartões — o segmento que mais concentra dívidas atrasadas.
O que dizem os especialistas?
Para analistas, o teto de 100% do valor da dívida para cobrança de juros pode ajudar a reduzir a inadimplência, mas o efeito não é garantido. Além disso, a medida pode ter efeito negativo no médio prazo no mercado de crédito brasileiro.
— Qualquer medida que venha para regular o sistema bancário com taxação é um pouco arriscado porque os bancos podem acabar travando mais a oferta de crédito — ressalta Isabela Tavares, analista da Tendências Consultoria.
Para a economista, a redução dos juros do rotativo pode ajudar a queda do número de inadimplentes, mas este recuo da taxa não seria natural, uma reação ao ciclo de baixa na taxa Selic, ao cenário econômico ou a aspectos relacionados aos riscos de crédito do mercado brasileiro. Por isso, a medida inclui alguns riscos:
— A gente já tem um cenário de que a inadimplência vai cair por conta da Selic e a expectativa de que as renegociações de dívidas vão bater no Desenrola. Isso agora pode ser um fator adicional. Mas pode ser prejudicial por travar a oferta de crédito e de cartões, além de prejudicar pessoas que já tenham maior risco. Ou seja, pode acabar tendo uma contrapartida para os bancos não saírem como perdedores.
Fernanda Melo, planejadora financeira CFP pela Associação Brasileira de Planejamento Financeiro (Planejar), avalia que não há uma correlação entre limite dos juros no rotativo e redução da inadimplência. Segundo ela, os dois principais fatores que impactam esse indicador são a inflação e o desemprego.
— A gente precisaria ver resultados melhores nesses aspectos de emprego, aumento do custo de vida e poder de compra dos salários para ver diferenças na inadimplência — explica.
O parcelamento sem juros no cartão acabará?
Não, embora, ao longo do debate sobre os juros do cartão de crédito, por causa da lei do Desenrola, os bancos tenham demandado a limitação do parcelado sem juros. Para o setor financeiro, a dinâmica atual do parcelamento sem juros traz desequilíbrios ao sistema, com os riscos sendo assumidos apenas pelos emissores, mas, na decisão de dezembro, o CMN não propôs mudanças sobre isso.
Segundo Fernanda, essa modalidade tem a ver com o perfil brasileiro, que não necessariamente tem o dinheiro total para uma compra no momento, mas consegue garantir que terá o dinheiro para pagamento ao longo do tempo. Ou seja, muitos conseguem pagar dentro do prazo e quitar a fatura sem juros.
Tendo em vista que este canal de consumo se tornou comum no país, a medida do parcelamento sem juros também facilita o acesso do consumidor a determinados produtos bancários, lembra ela.
Se fosse modificada, poderia ter um impacto positivo se levar a uma redução no custo do rotativo. Por outro lado, teria um efeito geral ruim sobre a economia:
— Podemos ver alguma redução na atividade econômica pelo fato das pessoas não terem condições de pagar o preço cheio. As pessoas podem acabar preferindo juntar o dinheiro para comprar sem juros e isso pode diminuir um pouco a atividade.
O CMN, que tomou a decisão em dezembro, é formado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, e o presidente do BC, Roberto Campos Neto.
O Globo