Sob a guarda do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a deputada federal Gleisi Hoffmann (PR) caminha para se tornar a presidente do PT com o mandato mais duradouro na história do partido. Apesar desse feito, a petista não escapa de críticas internas, sendo acusada de, junto com a corrente majoritária Construindo um Novo Brasil (CNB), dirigir a legenda com “mão de ferro”, gerando um Diretório Nacional pouco democrático.
Gleisi tem preferido se manifestar nas redes sociais em vez de debater questões sensíveis na executiva nacional do partido. Isso ocorre porque ela teme que suas posições sejam “embarreiradas” por outros membros da CNB, segundo revelou o dirigente nacional do PT Valter Pomar durante evento da tendência petista Avante.
O Estadão questionou a Secretaria de Comunicação do PT e a presidência do partido sobre os relatos obtidos pela reportagem, porém não houve retorno. O espaço segue disponível para eventual manifestação.
Nesse contexto, Gleisi elegeu o X (antigo Twitter) como o campo de batalha para seus embates. Na rede social, ela já dirigiu críticas ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). A deputada também não titubeou em usar a plataforma para repreender o vice-presidente do PT Washington Quaquá, questionar a Justiça Eleitoral e incitar a militância contra jornalistas.
Somente nas últimas semanas, a dirigente do PT criticou Pacheco duas vezes, sugerindo que o presidente do Senado fortalece a extrema direita ao abordar questões como mandato limitado para ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e o fim da reeleição presidencial. Antes disso, acusou Lira de desrespeitar as funções do Poder Executivo e de ressuscitar o orçamento secreto.
Deputado federal pelo Rio, Quaquá é um dos três vice-presidentes do PT, juntamente com o ex-ministro Luiz Dulci (MG) e o senador Humberto Costa (PE). Ele ainda compõe a CNB, grupo do qual Lula e Gleisi fazem parte. Ainda assim, não escapou de críticas após publicar uma foto com o ex-ministro de Jair Bolsonaro Eduardo Pazuello no início deste ano. “Na vida e na política, tudo tem limites”, escreveu Gleisi sobre o colega.
Em resposta às críticas, Quaquá publicou um vídeo no Instagram em que, sem citar o nome da presidente do PT, disse que ser de esquerda é dialogar e discutir com os contrários. Antes desse episódio, o vice-presidente do PT já havia sido criticado publicamente por Gleisi, em dezembro de 2021, por minimizar a relevância de Dilma Rousseff no cenário político atual.
Embates internos no PT
Líder da corrente interna Articulação de Esquerda (AE), Valter Pomar foi derrotado por Gleisi na última disputa à presidência do PT em novembro de 2019. Segundo ele, a CNB atua como um “partido dentro do próprio partido”, impondo as suas decisões às demais instâncias da sigla de maneira unilateral. Além disso, alega que a corrente majoritária não tem coesão interna, com seus membros disputando influência entre si.
“O resultado [disso] é o pântano, é a crise”, disse Pomar em evento no mês passado, acrescentando que há figuras importantes da CNB que negam que Gleisi faça parte do grupo, evidenciando a falta de unidade na cúpula petista. Exemplo disso são as divergências da presidente do PT com outros membros da executiva nacional, como Quaquá e o líder do PT na Câmara, Zeca Dirceu (PR), ambos da CNB.
Na semana passada, Gleisi defendeu críticas ao Centrão em um documento oficial do partido, apesar da oposição de Dirceu, Quaquá e José Guimarães, líder do governo na Câmara. O texto, que rotulava o grupo liderado por Artur Lira como fisiológico, conversador e influente demais sobre o Legislativo e o Executivo, foi aprovado após discussão, com 46 votos a favor e 4 contra.
Outro tema de discordância no PT envolve a política fiscal. Durante um evento do partido, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, contradisse Gleisi, afirmando que não é verdade que o déficit nas contas do governo estimula o crescimento econômico. Pouco antes, a líder petista havia defendido o aumento dos gastos públicos como um impulsionador do PIB, sem priorizar o resultado primário.
Adiamento das eleições internas
Há seis anos à frente do PT, Gleisi Hoffmann é a primeira mulher a presidir o partido. Com passagens pelo Senado e pela chefia da Casa Civil na gestão de Dilma Rousseff, Gleisi foi alçada ao comando da legenda com o apoio de Lula, que desempenhou um papel essencial na articulação com as correntes do partido, garantindo a vitória de Gleisi nas eleições internas de 2017 e 2019.
Em fevereiro, a presidente do PT teve a sua gestão prorrogada por mais dois anos devido ao adiamento do processo de eleições diretas (PED) da sigla de 2023 para 2025. O mandato se encerraria em novembro. Com isso, ela vai liderar o partido por oito anos consecutivos, superando as marcas de Lula e José Dirceu, que presidiram o PT por sete anos seguidos cada um.
Oficialmente, o discurso foi de que não seria sensato mobilizar o partido para eleições internas durante o primeiro ano do governo, sobretudo após o 8 de janeiro. Porém, a decisão de postergar as eleições não foi unânime, provocando críticas internas. Há relatos sugerindo que o adiamento do pleito ocorreu para manter Gleisi na presidência, uma vez que ela não foi contemplada na formação do governo.
“Votamos contra o adiamento”, afirmou o líder da Articulação de Esquerda, Valter Pomar, em entrevista ao Estadão. “Foi um imenso erro. Devíamos ter feito, em 2023, o PED e, assim, um grande debate sobre os rumos do Brasil e do PT, trazendo para participar deste debate e para militarem no partido centenas de milhares de pessoas que nos ajudaram a derrotar o cavernícola [Jair Bolsonaro] em 2022″, acrescentou.
Presidente do PT de 1995 a 2002, José Dirceu compartilha a análise de Pomar. Durante o encontro da corrente Avante, ele afirmou que o ano de 2023 representou uma oportunidade perdida, já que o partido não soube capitalizar a vitória nas urnas para engajar os simpatizantes do PT no processo de eleições diretas.
Dirigentes nacionais do PT, de diversas correntes, afirmaram ao Estadão que críticas internas são naturais e que o partido garante o direito de expressão das tendências. Apesar de apoiarem o adiamento das eleições, temem que o PED seja postergado novamente para 2027, alegando a necessidade de foco na campanha presidencial de 2026. Se esse cenário se concretizar, Gleisi poderia ficar na presidência do PT por, ao todo, dez anos.
Estadão