Com a intenção de, antes do recesso parlamentar, aprovar no Congresso propostas que visam aumentar a arrecadação, o governo prevê que algumas das medidas devem ficar para 2024.
Com temor de não conseguir atingir os R$ 168,5 bilhões para zerar o déficit das contas públicas no ano que vem, a equipe econômica avalia o envio de novos projetos mirando a arrecadação, mas sem sinalizar cortes de gastos.
O esforço prioritário nesta reta final de 2023 é para a aprovação da reforma tributária na Câmara dos Deputados. A expectativa do governo é que não haja mudanças significativas e a proposta seja levada à sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ainda este ano.
Outra matéria decisiva que está na mira do Ministério da Fazenda é a medida provisória (MP) que muda as regras de tributação dos benefícios fiscais de Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). A proposta tem potencial arrecadatório de R$ 35 bilhões.
Na última quarta (29), o Congresso Nacional instalou uma comissão especial para discutir a matéria.
Como mostrou a CNN, uma das ideias ventiladas pela equipe econômica é inserir o projeto de lei que acaba com os Juros Sobre Capital Próprio (JCP) — uma espécie de distribuição de dividendos a acionistas de grandes empresas — na medida provisória sobre subvenções.
No entanto, parlamentares ouvidos pela reportagem acreditam que a proposta ainda precisa de maturação e, por essa razão, podem ficar para o próximo ano.
Pelos cálculos da Fazenda, o potencial arrecadatório com esta medida chega a R$ 10 bilhões.
No Senado, a prioridade é aprovar o projeto de lei (PL) que taxa as apostas esportivas online, também conhecidas como “bets”, com arrecadação prevista em R$ 2,5 bilhões.
Preocupado com o ritmo de tramitação das medidas econômicas no Congresso, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, voltou a dizer que poderá enviar novas propostas ao Legislativo.
Durante o Fórum Econômico Brasil–Catar, na quinta-feira (30), Haddad afirmou a jornalistas que o governo vai “trabalhar até o último dia” para aprovar leis que propiciem o aumento da arrecadação e o aproximem o governo da meta de zerar o déficit primário em 2024.
“Nós vamos trabalhar até o último dia para tudo isso ser aprovado. Nós temos o apoio tanto do presidente da Câmara quanto do Senado. (…) Se não der para alcançar, nós vamos tomar outras medidas; nós não podemos parar, nós temos que perseguir essa meta obstinadamente”, disse ao ser questionado por jornalistas.
Especialistas consultados pela CNN apontam que, apesar dos esforços do governo para elevar a arrecadação e com a perspectiva de novas medidas, a promessa de déficit zero em 2024 dificilmente será cumprida se o governo não cortar despesas.
Na avaliação do ex-presidente da Câmara dos Deputados e atual presidente da Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF), Rodrigo Maia, medidas que aumentem a arrecadação são sempre bem-vindas, mas se não controlar as despesas, será muito ruim para a sociedade.
“A agenda de medidas de arrecadação, que melhorem o sistema, como o ministro está dizendo, que é o objetivo dele, não aumento na veia da carga tributária, é sempre bem-vinda”. disse.
“E o outro lado é olhar o lado da despesa, porque com esse arcabouço contratado de aumento real da despesa, se ele não tentar controlar alguma coisa de despesa, a sociedade vai ser punida porque você vai ter que aumentar a carga tributária em 3, 4, 5 pontos do PIB, o que é muito ruim para toda a sociedade”.
O economista Sergio Vale avalia ser “impossível” o governo conseguir alcançar os R$ 168,5 bilhões necessários para zerar o déficit fiscal com as medidas no Congresso.
Para ele, o problema volta à origem: um marco fiscal excessivamente baseado em arrecadação em um país que já tem carga tributária muito elevada.
“Não consigo ver o governo fechar a conta em 2024. Esse ano já foi sintomático. Haddad falava de déficit de 1% e o déficit caminha para ficar próximo de 2%. Os dilemas fiscais vão permanecer durante todo o governo. Não vejo muita alternativa a não ser atacar a renda”, pontuou.
“Haddad tem que tomar cuidado com essa sanha arrecadatória e nenhum sinal sobre os gastos. O Congresso pode chegar ao limite do que entende razoável de aumentar arrecadação. Vai aumentar a pressão da sociedade contra isso”.
O cientista político Horácio Ramalho avalia que o governo conseguirá aprovar algumas pautas até o fim do ano, mas a avaliação em geral não é boa. Segundo ele, o governo tratou apenas de receitas futuras e não há efetivamente um corte de gastos e nem algum gesto nesse sentido.
Ramalho ainda chama a atenção para a relação entre Executivo e Congresso. De acordo com ele, o governo Lula 3 foi o que menos aprovou projetos desde o governo Collor no 1º ano de mandato, o que demanda mais concessões por parte do Executivo aos partidos com maioria nas Casas.
“O PT ganhou uma eleição muito apertada e passou longe de ter maioria no Congresso. Para começar a alcançar êxitos nas votações teve que abrir espaços para os partidos PP, Republicanos e União Brasil, mas mesmo assim o governo patina nas relações com o Congresso. Parece ainda que o governo prefere gastar capital político nas indicações para o judiciário do que com a política fiscal, basta ver as duas indicações que o presidente Lula fez ao STF”, disse.
De acordo com o analista político sócio da Dharma Politics, Matheus Albuquerque, a aprovação desses projetos, assim como outros, demandam uma relação azeitada, principalmente com os presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) e do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
“Considerando essa conjuntura, para que o governo seja bem-sucedido — em tempo — as demandas no Legislativo deverão ser atendidas. O risco reside, entretanto, na adaptabilidade do plano fiscal do governo. As relações entre Executivo e Legislativo não são um fenômeno isolado”, diz.
“Partícipes desse processo – como grupos de interesse (lobbies) – incidem sobre a agenda fiscal e econômica de elaboração do Governo no intuito de alterar os textos apresentados ao Congresso Nacional”.
Nos últimos dias antes do recesso, o Congresso ainda tem as missões de analisar o relatório da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e os vetos presidenciais.
Créditos: CNN.