Nos últimos dias, as tensões entre a Venezuela e a Guiana voltaram a crescer por conta da disputa pelo território de Essequibo. Embora considerado pouco provável por especialistas, um confronto direto oporia duas nações com capacidades militares drasticamente diferentes.
Enquanto a Venezuela é o 6º país que mais investe na área militar no mundo, a Guiana está apenas na 152ª posição, segundo o The World Factbook, da CIA, a agência de inteligência americana. A vantagem se dá em pessoal e em equipamentos.
“As forças armadas da Venezuela são uma das mais equipadas da América do Sul; é uma superioridade colossal em comparação com a Guiana”, explicou Ronaldo Carmona, professor de geopolítica da Escola Superior de Guerra, em entrevista ao g1.
Um eventual conflito teria impacto em outros países, diz Carmona: “Uma investida militar [da Venezuela] abriria portas para um conflito seja com os EUA ou seja com o Brasil impedindo passagem”.
Os Estados Unidos e Brasil seriam arrastados para um eventual conflito: o Brasil está no caminho para a Venezuela chegar por terra à Guiana. Isso por si só já dificulta um plano de ataque, dada a neutralidade brasileira na disputa e a improbabilidade do presidente venezuelano Nicolás Maduro comprar briga com o presidente Lula a respeito do assunto.
Ainda assim, a incursão na Guiana teria que ser por meio de mata densa e fechada, o que inviabiliza o avanço das tropas. Uma opção seria pelo mar.
Todo esse cenário resulta em um custo político alto para Maduro, diz Carmona.
A Força de Defesa da Guiana foi estabelecida em 1965 e é uma força unificada com componentes terrestres, aéreos e da guarda costeira, bem como a Reserva Nacional da Guiana. Os militares do país mantêm relações com Brasil, China, França, Reino Unido e EUA e boa parte de seus os oficiais são treinados pela Academia Militar Real Britânica.
Seu efetivo total é de 3 mil soldados, de acordo com dados divulgados pela CIA. O envolvimento de outros países no conflito, no entanto, certamente elevaria esse número.
Os equipamentos da Guiana são antigos, como tanques da década de 1970 e morteiros da década de 1940.
Citando o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS), a Folha de São Paulo reportou que a Guiana conta com cerca de 6 tanques blindados, 54 equipamentos de artilharia, 3 barcos de patrulha e 3 helicópteros.
Em comparação, a Venezuela possui 514 blindados, 545 equipamentos de artilharia, 25 barcos de patrulha e 118 helicópteros, além de 40 caças e 440 canhões antiaéreos.
Venezuela
A origem das Forças Armadas Nacionais Bolivarianas (Fanb) remonta ao ano de 1810 e atualmente conta com um efetivo de entre 125 mil e 150 mil militares ativos, incluindo entre 25 mil e 30 mil da Guarda Nacional, mostram dados da CIA.
Contudo, este número pode ser muito maior considerando outras forças que podem entrar em ação no caso de um conflito: as milícias bolivarianas tem entre 200 mil e 225 mil integrantes, enquanto as polícias do país contam com cerca de 45 mil.
O exército está equipado com tanques, caças e sistemas de defesa antiaérea.
A origem do problema
O território de Essequibo é disputado pela Venezuela e Guiana há mais de um século. Desde o fim do século 19, está sob controle da Guiana. A região representa 70% do atual território da Guiana e lá moram 125 mil pessoas.
Na Venezuela, a área é chamada de Guiana Essequiba. É um local de mata densa e, em 2015, foi descoberto petróleo na região. Estima-se que na Guiana existam reservas de 11 bilhões de barris, sendo que a parte mais significativa é “offshore”, ou seja, no mar, perto de Essequibo. Por causa do petróleo, a Guiana é o país sul-americano que mais cresce nos últimos anos.
Tanto a Guiana quanto a Venezuela afirmam ter direito sobre o território com base em documentos internacionais.
A Guiana afirma que é a proprietária do território porque existe um laudo de 1899, feito em Paris, no qual foram estabelecidas as fronteiras atuais. Na época, a Guiana era um território do Reino Unido.
Já a Venezuela afirma que o território é dela porque assim consta em um acordo firmado em 1966 com o próprio Reino Unido, antes da independência de Guiana, no qual o laudo arbitral foi anulado e se estabeleceram bases para uma solução negociada.
Referendo venezuelano
No domingo (4), a Venezuela organizou um referendo no qual 95% dos eleitores presentes votaram para que o país incorpore ao mapa venezuelano o território de Essequibo, uma região de fronteira entre os dois países que é disputada há mais de 100 anos.
A consulta teve cinco perguntas:
- Você rejeita a fronteira atual?
- Você apoia o Acordo de Genebra de 1966?
- Você concorda com a posição da Venezuela de não reconhecer a jurisdição da Corte Internacional de Justiça (veja mais sobre essa questão abaixo)?
- Você discorda de a Guiana usar uma região marítima sobre a qual não há limites estabelecidos?
- Você concorda com a criação do estado Guiana Essequiba e com a criação de um plano de atenção à população desse território que inclua a concessão de cidadania venezuelana, incorporando esse estado ao mapa do território venezuelano?
Guiana pediu ajuda para a Corte Internacional de Justiça
A Corte Internacional de Justiça decidiu na sexta-feira que a Venezuela não pode tentar anexar Essequibo e que isso vale para o referendo.
A Guiana havia pedido para que a corte tomasse uma medida de emergência para interromper a votação na Venezuela.
Em abril, a Corte Internacional de Justiça afirmou que tem legitimidade para tomar as decisões sobre a disputa. Esse órgão é a corte mais alta da Organização das Nações Unidas (ONU) para resolver disputadas entre Estados, mas não tem como fazer suas determinações serem cumpridas.
A decisão final sobre quem é o dono de Essequiba ainda pode demorar anos.
O governo venezuelano disse que a decisão é uma interferência em uma questão interna e fere a Constituição. A vice-presidente da Venezuela, Delcy Rodriguez, disse que “nada vai impedir que o referendo agendado para o dia 3 de dezembro aconteça”. Ela também falou que, apesar de ter comparecido na corte, isso não significa que a Venezuela reconhece a jurisdição da Corte Internacional de Justiça sobre a disputa.
G1