O nome do adolescente que confessou à Polícia Federal ter invadido o perfil da primeira-dama Janja da Silva no X (antigo Twitter) apareceu em uma postagem que ele mesmo fez na conta. Além desse indício, a PF também o identificou ao analisar o celular e computador apreendidos na residência de João Vitor Ferreira — o primeiro alvo dos policiais. Os investigadores se depararam com o nome do menor em um depósito PIX e na lista de contatos de Ferreira.
Desde o dia da invasão, a PF também conta com a colaboração da rede X, que costuma fornecer o número de IP (Internet Protocol) das máquinas que acessaram os perfis invadidos em casos criminais de grande repercussão. Esse dado funciona como uma espécie de RG dos aparelhos e é rastreado por meio das operadoras de telefonia.
O inquérito aponta que os dois jovens fazem parte de comunidades de “incel” — a junção das palavras “involuntary celibates” —, que descreve aqueles que se consideram “celibatários involuntários”. O termo “incel” costuma ser atribuído a homens que se reúnem em fóruns de discussão online para falar sobre as frustrações de não conseguirem manter relações sexuais e amorosas. Em geral, culpam mulheres e homens sexualmente ativos por isso.
Esses fóruns acabam virando espaço de disseminação livre de mensagens de ódio, sobretudo contra mulheres. “Durante as apurações ficou constatado que os possíveis envolvidos também tinham perfis e postagens na plataforma Discord, participando de grupos que trocavam mensagens de caráter misógino e extremista”, informou a PF, em nota.
Grupos do gênero costumam ainda ser monitorados pelas autoridades em função de conterem informações sobre potenciais atentados em escolas e integrantes de movimentos neonazistas. Em depoimento à PF prestado nesta quarta-feira, o adolescente confessou o crime, enquanto Ferreira, de 25 anos, negou ter participado da invasão. A PF cumpriu mandados de busca e apreensão contra eles em Minas Gerais e no Distrito Federal.
A defesa dos dois não foi localizada. Procurado por e-mail, Ferreira não retornou aos contatos da reportagem.
Segundo informações da coluna de Bela Megale, o adolescente relatou que encontrou informações do e-mail e da senha da primeira-dama por meio do vazamento de dados na internet. Ele admitiu que fez mais de 30 postagens com ofensas a Janja, mas se disse arrependido do ataque hacker.
Produtor de música
Enquanto o menor não era tão conhecido no grupo dos “incel”, Ferreira possuía mais popularidade entre a comunidade virtual. Morador de Ribeirão das Neves (MG), ele administrava um perfil chamado “Maníaco” em redes sociais, como YouTube, Deezer e Facebook, com foco em produção de música. Um dos seus álbuns traz o lema de separatistas dos estados da Região Sul, “O Sul é meu país”, e uma canção chamada “Ariano”, que defende a pureza da raça ariana e ataca a miscigenação na mesma tese que embasou as políticas implementadas por Adolf Hitler na Alemanha nazista.
A conta do jovem tem também músicas com apologia à violência de gênero. Uma delas (“Mulher gosta de porrada”, do álbum “Incel pardo”) diz que mulheres gostam de apanhar e descreve uma cena em que um homem é morto ao tentar apartar “um camarada quebrando sua mulher na porrada”. Outra (“Inflação do mercado bucetal”), que “mulher se resume a dois meros buracos”.
Na noite de segunda-feira, a PF expediu um ofício ao X, solicitando que todas as informações do perfil de Janja fossem preservadas. Como O GLOBO mostrou, a Advocacia-Geral da União (AGU) também pediu que a empresa congelasse a conta até a conclusão das investigações sobre a invasão, e mantenha “todos os registros e elementos digitais” relacionados à conta para “subsidiar futuras ações judiciais”.
No documento, a AGU afirmou que a “não observância das medidas ora requeridas será interpretada como lesão a direitos”, podendo resultar em medidas judiciais cabíveis para “ressarcimento de danos, bem como para a responsabilização civil e penal dos infratores”.
Janja se pronunciou sobre a invasão e declarou que os ataques que sofre diariamente atingiram outro patamar, e que “a realidade é que a internet é um espaço potente para o bem e para o mal”.
“Eu já estou acostumada com ataques na internet, por mais triste que seja se acostumar com algo tão absurdo. Mas a realidade é que a internet é um espaço potente para o bem e para o mal. E é comprovado que nós, mulheres, somos as que mais sofrem com os ataques de ódio aqui nas redes. O que eu sofri ontem é o que muitas mulheres sofrem diariamente”, disse a primeira-dama em publicação no Instagram.
O Globo