Os chilenos às urnas neste domingo, 17, para aprovar uma nova Constituição que vai substituir a atual Carta, criada ainda durante a ditadura no país. A tentativa de troca é uma resposta da classe política aos protestos que paralisaram o país em 2019 e ocorre mais de um ano após os chilenos rejeitarem uma proposta de Constituição escrita por uma convenção de esquerda – muitos a caracterizaram como uma das cartas mais progressistas do mundo.
Desta vez, o novo documento é mais conservador do que aquele que pretende substituir, pois aprofundaria os princípios do livre mercado, reduziria a intervenção do Estado e poderia limitar alguns direitos das mulheres. Se a nova carta for rejeitada, a Constituição da era Pinochet (que foi alterada ao longo dos anos), de 1980, vai continuar em vigor.
Um dos artigos mais polêmicos do novo projeto proposto diz que “a lei protege a vida do nascituro”, com uma ligeira mudança na redação do documento atual que alguns alertaram que poderia tornar o aborto totalmente ilegal no país. Atualmente, a lei chilena permite a interrupção da gravidez por três motivos: estupro, feto inviável e risco à vida da mãe.
Outro artigo do documento proposto que gerou polêmica diz que os prisioneiros que sofrem de uma doença terminal e não são considerados um perigo para a sociedade em geral podem receber prisão domiciliar. Membros da oposição de esquerda disseram que a medida poderia acabar beneficiando aqueles que foram condenados por crimes contra a humanidade durante a ditadura do general Augusto Pinochet, de 1973 a 1990.
O novo documento proposto, que diz que o Chile é um Estado social e democrático que “promove o desenvolvimento progressivo dos direitos sociais” por meio de instituições estatais e privadas, também está sofrendo oposição de muitos líderes locais que dizem que ele elimina o imposto sobre casas que são residências primárias, uma fonte vital de receita estatal que é paga pelos mais ricos.
Ela também estabeleceria novas instituições de aplicação da lei e diz que os imigrantes sem documentos devem ser expulsos “o mais rápido possível”.
À agência de notícias Reuters, o diretor da consultoria Teneo, Nicholas Watson, explica que, independentemente do resultado deste domingo, há uma grande desilusão com a classe política no país. “Isso deixa as razões dos protestos de 2019 amplamente não resolvidas, com todos os riscos implícitos ainda latentes”, diz.
Segundo o especialista, a aprovação do texto pode prejudicar a agenda de reformas do presidente chileno, Gabriel Boric, que aposta em propostas de reformas tributárias e previdenciária para impulsionar a própria popularidade.
“Mas, embora um ‘não’ possa dar impulso a Boric, não seria algo transformativo, já que ele ainda vai ter falhado em um de seus objetivos principais: substituir a Constituição de 1980″, disse Watson.
Nova Constituição
O processo para redigir uma nova constituição começou após os protestos de rua de 2019, quando milhares de pessoas reclamaram da desigualdade em um dos países politicamente mais estáveis e economicamente mais fortes da América Latina.
Mas, em 2022, 62% dos eleitores rejeitaram a proposta de constituição que teria caracterizado o Chile como um Estado plurinacional, estabelecido com territórios indígenas autônomos e priorizando o meio ambiente e a paridade de gênero.
Uma das pesquisas mais recentes, realizada pela empresa local Cadem no final de novembro, indicou que 46% dos entrevistados disseram que votariam contra a nova Constituição, enquanto 38% eram a favor. A diferença foi muito maior do que há três meses, quando o “não” estava 20 pontos à frente do “sim”.
Em Santiago, as conversas antes da votação geralmente se voltavam para a segurança, e não para a carta proposta. As estatísticas estaduais mostram um aumento nos roubos e outros crimes violentos, um fato que tende a beneficiar as forças conservadoras.
As pessoas já se esqueceram do motivo pelo qual fomos às ruas – Malen Riveros, estudante chilena
Parecia haver pouco entusiasmo com a votação de domingo. A maioria dos cidadãos está exausta após 10 eleições de vários tipos em menos de dois anos e meio, mas o voto é obrigatório no Chile.
Malen Riveros, 19 anos, estudante de direito da Universidade do Chile, disse que o fervor que se acendeu com os protestos de rua de 2019 se perdeu e, para ela, a escolha no domingo foi entre o ruim e o pior.
“As esperanças se perderam com o passar do tempo”, disse Riveros. “As pessoas já se esqueceram do motivo pelo qual fomos às ruas.” / AP
Créditos: ESTADÃO.