Esta semana foi um dos mais desastrosos para o governo Lula e seu apêndice político, o STF. Após a morte de Cleriston, sob a tutela direta de Alexandre de Moraes, no dia seguinte, o magistrado soltou quatro presos que, assim como o referido falecido, tinham parecer favorável da Procuradoria Geral da República. A atitude de Moraes soa claramente como fraqueza, quase que um atestado de culpa. E, de fato, segundo os juristas, ele pode ser enquadrado por ter ignorado durante dois meses o parecer da PGR de soltura imediata de Cleriston, que já tinha uma saúde claudicante antes da Papuda, a qual, após a prisão preventiva, degradou-se enormemente ao ponto de a PGR correr para pedir sua soltura. Hoje, não são somente os direitistas que veem na demora de Moraes um ato de negligência direta, a própria fala do presidente do STF, Luís Roberto Barroso, na última quarta-feira, com claro semblante de abalo, demonstra que tal ato definitivamente não caiu bem nem mesmo dentro da Corte. Segundo o Código Penal brasileiro, Moraes poderia até mesmo ser preso por tal falta.
Não obstante a trágica morte de Cleriston num processo bizarro, inconstitucional, digno de União Soviética, o Congresso parece finalmente estar se impondo ante o autoritarismo da Suprema Corte; há semanas que o governo ‒ e por extensão, o STF, como aliado direto de Lula ‒ vem sofrendo derrotas doloridas nas casas legislativas. Porém, a pior delas, sem dúvida, foi a aprovação em primeiro turno da PEC 8/2021 de Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), emenda constitucional que, na prática, anula a possibilidade de decisões monocráticas dos ministros do STF, dificultando, entre outras coisas, a feitura de leis e a anulação de decisões do Legislativo por um ministro da Suprema Corte. Trata-se do maior golpe ao STF em anos, uma clara focinheira colocada nos ministros/deuses que se arvoraram, por anos, como supremos de tudo, não só no meio jurídico das altas cortes, mas até mesmo nos meios políticos, através de interferências nas casas legislativas e no Executivo.
O interessante foi notar como o PT ficou abalado com a decisão do Senado, afinal, atualmente o seu poder de ação no Congresso é limitadíssimo, restringindo-se à liberação de emendas parlamentares ‒ emendas essas que também vêm sendo alvo de castração do Congresso. A aprovação da PEC 8/2021 significa a perda de mais um tentáculo de governança de Lula, talvez o único que não estava atrofiado neste momento. Para espanto deste colunista que vos escreve, o líder do PT no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), votou favorável à emenda constitucional, o que, segundo a jornalista Eliane Cantanhêde, foi visto no STF como “traição rasteira”… Ué, mas só trai quem tem compromissos e alianças. Que alianças o governo teria com STF? E aquele papo de separação dos poderes? Completa a jornalista que o recado do STF é o seguinte: “Ou o Jaques Wagner sai, ou não tem mais papo do STF com o Planalto e o governo”.
Temos aqui, então, duas questões urgentes de serem notadas. Como dizia meu pai, “o subentendido, às vezes, é muito mais importante do que o que foi dito”. O subentendido 1, Moraes está enfraquecido, a morte de Cleriston pode ter minado a sua volúpia autoritária na condução do processo inconstitucional dos ditos “Atos antidemocráticos” do dia 8/1; a soltura quase que afobada, no dia seguinte à morte de Cleriston, mostra-nos ainda uma clara pressão interna e externa ante a estratégia soviética de Moraes, a impressão é de que o ministro está acuado mesmo entre os seus. Subentendido 2, a aprovação da PEC 8/2021 demonstra a incapacidade do governo de blindar o STF ante a oposição no Congresso, bem como a perda de influência que sempre demonstrou ter sobre o Senado Federal; a aprovação em primeiro turno da proposta de emenda constitucional 8/2021 pode até significar que o impeachment de Moraes, e/ou um processo por negligência ante a morte de Cleriston, não seja algo tão distante assim.
O subentendido 3, para mim, trata-se do pior ‒ algo que talvez nem seja “subentendido”, mas algo realmente descarado ‒, a forma como o STF reagiu à “traição” de Jaques Wagner mostra que o Planalto e o STF têm uma ligação que vai muito além do que a mera diplomacia casual de poderes, o termo “traição” revela um conluio anterior, que pode requentar as teses da direita de que o STF, de alguma maneira, pode ter influenciado diretamente em prol da eleição de Lula. Lembremos que, há pouco, Gilmar Mendes disse abertamente, durante o 1º Fórum Esfera Internacional, que, sem o STF, Lula não teria sido eleito. Em suas exatas palavras, “se hoje nós temos a eleição do presidente Lula, isso se deve a uma decisão do Supremo Tribunal Federal”, e que Barroso, durante um evento da UNE, referindo-se ao STF e TSE ‒ que é composto também por ministros do Supremo Tribunal Federal ‒ disse: “Nós vencemos o bolsonarismo”.
Pois bem, está aí, sob o sol do meio-dia. O assustador é que tudo aquilo que a dita “extrema-direita” falava há pouco, e que a imprensa e os setores políticos à esquerda viam como “conspiração tola de bolsonaristas”, aos poucos, começa a se materializar ante os olhos de todos e, à medida que Lula perde espaço e as batalhas no Congresso, a partir do momento que o STF perde força e os eventos como a morte de Cleriston mancham de sangue a atuação de Moraes e o consentimento covarde dos demais ministros, fica mais evidente que uma espécie de ligação escusa, feita por debaixo dos panos entre Planalto e STF, não é algo tão ficcional assim. A desconfiança popular é sempre o princípio da revolta, e, como nos casamentos, o fim de um relacionamento geralmente é seguido da exposição raivosa dos defeitos do ex. Jaques Wagner parece ter iniciado tal ruptura, resta agora saber quem será o primeiro a tacar os podres no ventilador. Ao que parece, acabou o amor.
Créditos: Pedro Henrique Alves para Jovem Pan.