Uma perícia realizada pela Polícia Federal no celular de um dos réus acusados de envolvimento nos ataques de 8 de janeiro mostrou informação oposta à usada pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), em decisão por sua condenação a 17 anos de prisão.
Laudo do Instituto Nacional de Criminalística anexado à ação penal diz que o réu Eduardo Zeferino Englert, 42, preso em flagrante dentro do Palácio do Planalto em 8 de janeiro, só chegou a Brasília às 14h15 daquele dia.
O ministro, porém, havia afirmado que ele chegou à capital no dia 7 de janeiro e ficou no acampamento montado em frente ao quartel-general do Exército até o dia seguinte.
Os dados que contradizem a decisão de Moraes constam de análise assinada no dia 24 de agosto pelo perito criminal federal Leandro Bezerra Di Barcelos, com base nas coordenadas geográficas registradas no celular apreendido com Englert.
No dia 6, segundo o relatório, ele saiu de Santa Maria (RS) e, até as 22h23 do dia 7, ainda estava no município de Ourinhos (SP). Às 13h54 do dia 8, ele passava pelo município de Santo Antônio do Descoberto (GO). Só depois chegou à capital federal.
“É possível observar, por meio dos dados de geolocalização obtidos por meio da extração do equipamento examinado, que este esteve no Palácio do Planalto, no Congresso Nacional, no Supremo Tribunal Federal, ou no seu entorno no dia 8 de janeiro”, diz o documento.
O perito esclarece, porém, que os dados registrados a partir de aplicativos tais como Waze, Uber, WhatsApp, Telegram e Signal podem identificar o local de outro aparelho de telefone celular ou ainda um local selecionado de forma manual pelo usuário.
“Dessa forma, recomenda-se parcimônia na utilização desta informação, sendo necessário agregar outros elementos para a confirmação da localização do equipamento questionado”, afirma.
Na decisão em que defendeu uma pena de 17 anos de prisão a Englert, em julgamento virtual iniciado no dia 27, Moraes escreveu que, “no caso presente, existe prova contundente no sentido de que Eduardo Zeferino Englert chegou em Brasília no dia 7 de janeiro para a prática de crimes descritos na denúncia e ficou no QGEX [quartel-general do Exército, em Brasília] entre os dias 7 e 8 de janeiro”.
No último dia 31, porém, a defesa de Englert alegou que, ao contrário do que o ministro apontou na decisão pela condenação, o réu nunca esteve no acampamento montado em frente ao quartel-general.
Segundo petição enviada ao STF pelo advogado Marcos Vinicius Rodrigues de Azevedo, um laudo pericial confirmou o que foi relatado pelo próprio réu em audiência, de que ele nunca esteve na concentração.
A defesa também apontou que Englert teria saído de Santa Maria no dia 6 de janeiro e chegado a Brasília no dia 8, às 13h45, onde ficou por uma hora, “sem qualquer passagem pelo QGEx”.
“Verifica-se, desta forma, que nunca esteve nos acampamentos com os demais manifestantes. Argumento diverso daquele que serviu de substrato para o voto de Vossa Excelência que condenaria o réu pelos crimes mais graves (golpe de Estado e abolição violenta do Estado democrático de Direito) e do crime de associação criminosa armada”, diz a petição.
No último domingo (5), após a petição da defesa, Moraes pediu destaque na ação. Em tese, o mecanismo faz com que o julgamento tenha os seus votos já computados zerados e seja retomado no plenário físico da corte.
Um dia depois, o caso foi reincluído no plenário virtual, com data de início prevista para o dia 17. O julgamento será reiniciado do zero.
Isso deve permitir que Moraes registre outro voto sobre o caso, diferente do anterior, assim como o ministro André Mendonça, que também já havia se manifestado.
Procurado pela Folha por meio da assessoria do STF, Moraes não respondeu.
Moraes havia julgado procedente a ação e proposto uma condenação de 17 anos de prisão pelos crimes de abolição violenta do Estado democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado, deterioração do patrimônio tombado e associação criminosa armada.
Ele também citou imagens de vídeo retiradas pela PF do celular de Englert de uma propaganda para adesão das pessoas à manifestação em Brasília, “com o intuito de mostrar a grandiosidade do ato que se aproximava”.
Já no dia 8, segundo o ministro, o réu gravou “um vídeo da horda incontrolável tomando a rampa e a parte superior do Congresso Nacional”.
“Em seguida, existe vídeo gravado no celular do acusado com imagens de invasores no Palácio do Planalto cantando o hino nacional na frente dos militares que faziam a contenção de passagem”, disse ainda o ministro.
“Resta claro, então, que Eduardo Zeferino Englert estava na capital federal no dia 8 para participar de atos visando a extinção do Estado democrático de Direito, com a decretação de intervenção militar e a derrubada do governo democraticamente eleito.”
Ele acrescentou que, para tanto, o celular do réu “continha vídeos adredemente preparados por milícias digitais” para estimular a população e causar tumulto.
“Se não bastasse, esteve circulando nas edificações da praça dos Três Poderes e ingressou no Palácio do Planalto onde foi preso. No vídeo que foi gravado no Palácio do Planalto não se vê pessoas que estariam passando mal por força de bombas de gás lacrimogêneo, mas, sim, pessoas tentando dissuadir soldados do Exército Brasileiro a liberarem o acesso no interior do prédio público”, disse.
O Supremo já condenou 20 réus com penas que alcançam até 17 anos por causa dos atos promovidos pelos manifestantes. Os julgamentos foram feitos nos plenários físico e virtual. Todos foram denunciados pela PGR (Procuradoria-Geral da República).
Folha de SP