Ex-diretor do Banco Central, Alexandre Schwartsman avalia que as últimas sinalizações do governo na área fiscal vão deixar o Brasil “mais medíocre” do que já é. “Vamos trabalhar com inflação mais alta, juros mais altos e crescimento mais baixo”, diz.
A preocupação com o rumo das contas públicas ganhou corpo na sexta-feira, 27, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que o governo não atingirá o resultado primário zero no ano que vem. Na segunda-feira, 30, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se negou a responder se a gestão atual está comprometida com a meta de acabar com o déficit.
“Foi uma mensagem muito ruim. Eu acho que colabora no sentido de mostrar que o fundamento fiscal do País é ruim”, afirma.
A seguir trechos da entrevista concedida ao Estadão.
Qual é o impacto da fala sobre o não cumprimento da meta de resultado primário zero no ano que vem?
É um reconhecimento de um fato que a gente já vem falando há algum tempo, de que as contas não fecham. Agora, uma coisa é a gente, do lado de fora, dizer que tem problema. No melhor cenário, a gente imagina que, se tem problema, (o governo) vai adotar medidas para corrigir. Mas o que vemos é: ‘tem problema, mas a gente não vai fazer.’ E, no caso, desautorizando diretamente o ministro da Fazenda. Não é à toa que Fernando (Haddad) teve uma reação tão ruim como a que ele teve hoje (segunda) de manhã. Eu estava vendo o vídeo (da entrevista coletiva), e ele estava profundamente irritado. Não respondeu. Porque ele não tem uma resposta para isso. Foi uma mensagem muito ruim. Eu acho que colabora no sentido de mostrar que o fundamento fiscal do País é ruim e o impacto foi imediato no mercado de juro.
Poderia detalhar esse impacto?
Não vai alterar o resultado do Copom desta semana, mas a gente já começa a discutir qual mensagem que vai sair dessa história. Corremos o risco de ver o Banco Central colocar no balanço de riscos alguma coisa acerca de que a firmeza quanto ao compromisso fiscal já não é a mesma e isso acaba tendo algum impacto na política monetária lá na frente.
E já num cenário que estava mais difícil por causa do ambiente internacional…
Eu até acho que um mundo em que o juro lá fora é mais alto traz uma dificuldade adicional. Mas, concretamente, não tem uma relação tão direta entre o juro lá fora e o juro aqui dentro. Se pegar as taxas longas de juros, o (juro de) 10 anos real norte-americano e o de 10 anos real brasileiro, não tem uma relação de um para um. Você pode contornar essa restrição, desde que se tome medidas para reduzir o risco percebido. A diferença do juro real brasileiro relativamente ao juro real norte-americano pode ser pensada também como uma medida de risco fiscal. Se você tomar medidas nessa linha, não chega a virar um imperativo de que não pode baixar (a Selic) porque lá fora está subindo. Desse ponto de vista, mais sério do que os juros lá fora subindo, é que não estamos tomando os passos concretos para a redução do risco aqui dentro.
Podemos ver juros mais altos por um período maior, então?
Se você vem com uma política fiscal mais frouxa, a monetária tem de ser mais apertada. Não tem muito segredo. Não é por outro motivo que a gente viu a mudança no Focus. Estava trabalhando com 9% e puxou para 9,25%. O Banco Central já vai usar 9,25% nas suas simulações. Também é uma questão de governança. Ele pega a trajetória da Selic da sexta-feira anterior ao Copom. Já vai incorporar isso. Obviamente, não é esta semana que eles vão mudar o ritmo, provavelmente não é na próxima reunião que eles vão mudar o ritmo, mas eu acho que a gente pode ver alguma sinalização a este respeito.
E como fica a percepção entre os congressistas? O governo depende da aprovação de medidas arrecadatórias para alcançar o déficit zero no ano que vem.
Como de hábito, os governos do PT querem que alguém tire a castanha do fogo, mas jamais eles. O Congresso, que só tem raposa, pensa: ‘se o presidente da República não quer, por que eu vou tirar a castanha do fogo para ele?’ Então, o que a gente vai ver é que isso vai dificultar a capacidade do governo de obter do Congresso medidas que reduzam (o déficit). Se você (o governo) não está interessado, já declarou que não é o seu problema, por que eu (Congresso) vou me queimar fazendo isso?
Já havia uma série de incertezas em relação ao arcabouço. Muitas economistas apontavam que teria de ser revisto antes do fim do governo. Como fica a política fiscal do País agora?
Tem um prazo de validade nessas tentativas de segurar o gasto de cima para baixo, mas esse prazo está encolhendo. As metas fiscais aguentaram até 2007, 2008. O teto de gastos foi criado em 2016, implementado em 2017, e aguentou alguns anos. O novo arcabouço fiscal bateu recorde: está desfeito antes de começar a operar. O prazo de validade dele foi negativo. É um novo recorde para o País. Pode hastear a bandeira e cantar o hino. É um motivo para sentir orgulho de ser brasileiro.
E o País sobrevive sem uma regra fiscal, então? Como chega até 2026?
Até a Argentina sobrevive. A questão é como. Não vai ser muito legal. A gente vai trabalhar com inflação mais alta, juros mais altos e crescimento mais baixo. Vamos ficar mais medíocres do que já somos. Agora, vai acabar o País? Não. Precisa fazer muito mais força. Olha a Argentina tentando há gerações e ainda não conseguiram acabar com o país de vez.
Estadão