“As minhas experiências com relacionamentos abusivos são traumáticas, profundas e fortes, das quais eu achei que não fosse sobreviver”. É o que conta a escritora Cleidimar Nascimento Sousa, 43 anos. “Muitas marcas ficaram em mim. Marcas no meu emocional, no meu psicológico e na minha alma”, acrescenta.
Neste sábado (25/11), é celebrado o Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres. Em 2022, mais de 28,9% das brasileiras, ou seja, 18 milhões de mulheres sofreram algum tipo de violência ou agressão, segundo a pesquisa Visível e Invisível: a vitimização de Mulheres no Brasil, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em parceria com o Datafolha.
No total, 50,9 mil mulheres sofreram violência por dia no período. Esse número é o equivalente a um estádio de futebol lotado por dia durante um ano.
Dados da violência
De acordo com a Lei Maria da Penha, existem cinco tipos de violência doméstica e familiar contra a mulher: física, psicológica, moral, sexual e patrimonial.
No primeiro semestre de 2023, 722 mulheres acabaram vítimas de feminicídio no Brasil. O número cresceu 2,6%. Se comparado com o mesmo período do ano anterior, é o maior registrado desde 2019.
“O feminicídio é um conceito que qualifica o homicídio. Trata do assassinato de mulher (seja biologicamente nascida mulher ou mulher trans) em razão da sua condição de ser mulher. Ou seja, é o homicídio praticado contra uma mulher por desprezo, discriminação e preconceito baseados no gênero”, explica Hanna Gomes, advogada especialista em direito da mulher (leia entrevista abaixo).
Os estupros e estupros de vulnerável, quando as vítimas têm menos de 14 anos ou é incapaz de consentir (por enfermidade, deficiência mental ou qualquer outra causa que não pode oferecer resistência), também tiveram crescimento no primeiro semestre de 2023.
Nesse período, o Brasil registrou 34 mil casos desse tipo de crime, um aumento de 14,9%. Esse é o maior número registrado desde 2019.
Estima-se que, em média, apenas 8,5 em cada 100 casos de estupros que ocorrem no país sejam registrados pelas polícias do país, e apenas 4,2 em cada 100 pelos sistemas de informação da saúde.
“Nós, mulheres, carregamos uma culpa muito grande, como se nós fossemos erradas; por isso, muitas vezes, não denunciamos. A culpa não é sua, mulher”, diz a escritora Cleidimar Nascimento Sousa.
As cicatrizes da violência
Aos 43 anos Cleidimar Sousa conta que, por muito tempo, carregou o peso da vergonha e da falta de compreensão. “As pessoas achavam que eu estava passando por tudo aquilo porque queria, para chamar a atenção. Acham que a gente aceita passar por isso porque gostamos da pessoa. Até a gente mesma acha isso, mas, depois, descobre que não é amor, é dependência emocional”.
Entre os anos 2000 e 2008 e, depois, entre 2012 e 2017, Cleidimar esteve em relacionamentos abusivos. Apesar de não se sentir confortável para detalhar as suas vivências, ela conta que sofreu violência física, psicológica e moral. “Independentemente do nome dado à violência, cada ato e ação praticado contra nós, mulheres, é doloroso, agressivo e pesado. Não importa qual seja o tipo, os danos, e isso quando não leva ao feminicídio.”
Como meio de compartilhar a própria história de sobrevivência e o aprendizado, Cleidimar começou a escrever o livro “Vulnerável: como sair de situações de vulnerabilidade e retomar o controle de sua vida”, em 2023. “Eu decidi me despir da minha vergonha para revestir de coragem todas as mulheres que precisam desse apoio, dessa mensagem”.
O livro tem como objetivo fazer com que as mulheres reconheçam e superem vivências de violência e abuso e desenvolvam o autoconhecimento para a cura.
“Este livro nasceu, também, para falar com a sociedade sobre a questão de abuso sexual de menores. É um assunto muito delicado, pouco exposto e que ocorre todos os dias. Isso transforma a nossa vida para sempre”.
A escritora, por fim, traz uma reflexão final. “[A violência] acontece em todas as classes sociais, independentemente da cor da pele, do número na conta bancária, do status social e profissão. O que tem atrás dos muros de casas e prédios? Nem sempre a realidade é o que vemos”, finaliza Cleidimar.
Direito da mulher
O Metrópoles entrevistou Hanna Gomes, advogada especialista em direito da mulher, que respondeu algumas questões sobre o assunto. Confira:
Quais são os meios legais que amparam as mulheres nos diversos tipos de violência?
Além da Lei Maria da Penha, temos outras leis que protegem as mulheres. A Lei Carolina Dieckmann, por exemplo, criminaliza a invasão em dispositivos eletrônicos para acessar dados particulares. A Lei do Minuto Seguinte assegura o atendimento medico priorizado em casos de violência sexual. Também temos disposições estaduais que definem políticas públicas específicas, como a implementação de casas de abrigo e acolhimento, a indenização para casos de agressão e os serviços de atendimento multidisciplinar.
Caso uma mulher sofra violência psicológica, patrimonial e/ou moral, ela pode ser assegurada pela lei? De que maneira?
A Lei Maria da Penha define que a violência vai muito além da agressão física. A violência patrimonial, moral e psicológica são criminalizadas pelo código penal e passíveis também de indenização na esfera civil. A lei prevê penas variadas que dependem da conduta praticada, variando entre multas e penas de prisão.
É preciso ter provas legais da violência/abuso para que seja feita a denúncia? Como as mulheres podem se proteger e resguardar caso sofram algo do tipo?
Embora esses crimes ocorram, em sua maioria, sem testemunhas e apenas entre agressor e vítima, a palavra da mulher tem um especial valor como elemento prova. Porém, para firmar uma condenação, é preciso apresentar provas das violências. Mas é importante saber que, mesmo diante de indícios, ou seja, de circunstâncias que levam a vítima a ter medo ou se sentir insegura, já é possível pedir medidas protetivas.
Canais de atendimento
A Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180 presta uma escuta acolhida qualificada às mulheres em situação de violência. O serviço registra e encaminha denúncias de violência contra a mulher aos órgão competentes, bem como reclamações, sugestões ou elogios sobre o funcionamento dos serviços de atendimento.
O serviço também fornece informações sobre os direitos da mulher, como os locais de atendimento mais próximos e apropriados para cada caso: Casa da Mulher Brasileira, Centros de Referências, Delegacias de Atendimento à Mulher (Deam), Defensorias Públicas, Núcleos Integrados de Atendimento às Mulheres, entre outros.
A ligação é gratuita, e o serviço funciona 24h, todos os dias da semana. São atendidas todas as pessoas que ligam relatando eventos de violência contra a mulher.
O Ligue 180 atende todo o território nacional e também pode ser acessado em outros países.
Créditos: Metrópoles.