Antes de deixar o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na última quinta-feira, o ministro Benedito Gonçalves decidiu “turbinar” uma das ações contra Jair Bolsonaro e Braga Netto, incluindo no processo provas do Supremo Tribunal Federal (STF) e o depoimento do hacker Walter Delgatti Netto prestado à CPI de 8 de Janeiro.
A decisão do ministro, assinada no último dia 9, foi tomada no âmbito de uma ação movida pela coligação de Lula, que apura o uso político da Polícia Rodoviária Federal contra eleitores do petista no segundo turno das últimas eleições, além dos sucessivos ataques de Bolsonaro ao sistema eleitoral.
Essa ação ainda está na fase de instrução (coleta de provas) e ainda não foi julgada pelo TSE. Não há previsão de quando o caso vai ser enfrentado pelo plenário.
No tribunal, porém, a atitude de Benedito Gonçalves foi vista como preventiva. Isso porque ele deixou a corregedoria e suas ações para o ministro Raul Araújo, que foi contra a inelegibilidade de Jair Bolsonaro.
A impressão entre os integrantes do TSE é de que Benedito Gonçalves decidiu agir antes de entregar as ações para Araújo, uma vez que a expectativa no tribunal é de que o novo relator desacelere nas investigações e não se empenhe nem na coleta de novas provas, nem no compartilhamento de informações com o STF, por exemplo.
Além de Bolsonaro e Braga Netto, a ação em que Benedito incluiu os novos documentos investiga dois filhos do ex-presidente, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), o senador Magno Malta (PL-ES) e os deputados Nikolas Ferreira (PL-MG), Carla Zambelli (PL-SP), Bia Kicis (PL-DF) e Gustavo Gayer (PL-GO). Todos eles também podem ser declarados inelegíveis no caso.
Benedito atendeu a um pedido do PT e decidiu autorizar o compartilhamento de provas já obtidas pelo Supremo no inquérito das milícias digitais, uma das investigações sob a relatoria de Alexandre de Moraes que vêm fechando o cerco contra Bolsonaro e seus aliados, além da apuração que levou à prisão do ex-diretor da PRF Silvinei Vasques, com detalhes sobre o mapeamento de eleitores elaborado a pedido do então Ministro da Justiça, Anderson Torres.
O ministro também incluiu nos autos do processo o depoimento do hacker Walter Delgatti Netto, que disse em agosto deste ano à CPI que Bolsonaro lhe prometeu um indulto caso fosse preso por participar de uma ofensiva contra as urnas eletrônicas. Delgatti Netto também afirmou que, em uma reunião com assessores de Bolsonaro, lhe pediram que criasse um código-fonte falso, inserindo um “código malicioso” para descredibilizar o sistema eleitoral.
De acordo com Benedito Gonçalves, como a coligação de Lula baseou sua ação no argumento de que Bolsonaro criou um ecossistema de desinformação para minar a confiança no sistema eletrônico de votação e no Poder Judiciário e de que a deputada federal Carla Zambelli fazia parte dessa rede, “não há como desvincular as alegações do hacker da imputação que é feita à parlamentar”.
Na prática, ao robustecer a ação com provas do Supremo e o depoimento do hacker à CPI, Benedito Gonçalves reduz a margem de manobra de seu sucessor na relatoria do caso, ministro Raul Araújo, esvaziar o processo – ou agir com inércia.
Diferentemente de Benedito Gonçalves, que votou para tornar Bolsonaro inelegível, Araújo defendeu a absolvição do ex-presidente tanto no caso da reunião com embaixadores no Palácio da Alvorada como na ação sobre o uso político-eleitoral do Bicentenário da Independência.
No julgamento da ação da reunião dos embaixadores, Araújo também rejeitou a inclusão, no processo, da minuta golpista encontrada na casa de Anderson Torres.
Ele ainda limitou sua análise à reunião propriamente dita de Bolsonaro com os embaixadores, desconsiderando as informações e os documentos reunidos após o compartilhamento de provas com o STF e determinada por Benedito Gonçalves.
Enquanto Gonçalves examinou a reunião dentro de um contexto mais amplo – dos sucessivos ataques de Bolsonaro às urnas eletrônicas e à democracia –, Araújo encarou o evento como um ato isolado.
O Globo