Parte de fazenda era ocupada por posseiros em PE; deputado diz que segue a legislação e declara patrimônio à Receita
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), obteve na Justiça de Pernambuco ordem de reintegração de posse de uma área rural que ele diz ser sua, mas que nunca constou em sua lista de bens encaminhada à Justiça Eleitoral.
A fazenda fica no município de Quipapá (a 180 km do Recife), e uma pequena parte dela é reivindicada por posseiros que afirmam ter direito de permanência.
O imbróglio foi revelado pela Folha em 2022, e, em agosto deste ano, o deputado conseguiu medida para tirar os ocupantes do local. A informação foi publicada pelo site De Olho Nos Ruralistas e confirmada pela reportagem.
Os posseiros dizem que Lira não apresentou documentação suficiente sobre a posse da fazenda, batizada de Engenho Proteção. Ao tentar comprovar a propriedade, Lira protocolou na Justiça um contrato de “compromisso de compra e venda”, datado de 2008, no qual afirma que adquiriu uma área de 182 hectares por R$ 350 mil (o equivalente a R$ 821 mil em valores atualizados pela inflação do período).
Desde 2008, o deputado disputou quatro eleições e nunca incluiu essa fazenda ou esses direitos de propriedade em sua lista de bens, de apresentação obrigatória para os candidatos.
Questionado pela Folha agora, ele disse que segue a legislação e que todo seu patrimônio se encontra “devidamente registrado” junto à Receita Federal.
Em entrevista ao programa Roda Viva, em julho deste ano, Lira foi questionado sobre sua evolução patrimonial e afirmou que atua “desde os 16 anos de idade com atividade pecuária, criação de gado”.
Em 2022, sua lista de bens entregue à Justiça Eleitoral somava R$ 6 milhões. Também não constaram nessa relação cabeças de gado.
As informações sobre bens prestadas pelos candidatos não são conferidas pelas autoridades eleitorais. Existe certa resistência dos tribunais eleitorais de aplicar punições em decorrência da omissão de patrimônio nas declarações dos candidatos.
À Justiça a família de posseiros de Quipapá disse que ocupa a área há 50 anos e pediu o usucapião (direito sobre a propriedade devido à permanência prolongada).
Lira havia entrado com ação de reintegração ainda em 2022. Sem definição em primeira instância, ele recorreu ao Tribunal de Justiça pernambucano, que decidiu em julgamento por conceder a liminar em junho.
A área pertencia a uma antiga usina de cana que faliu na década de 1990. O contrato firmado por Lira envolvia os direitos de herança e meação do antigo proprietário, que havia adquirido parte das terras da antiga usina.
A família do agricultor Cícero Paulo da Silva, 66, ocupava 5 dos 182 hectares da fazenda (com área total equivalente a 250 campos de futebol). O pai de Cícero, que morreu em 2005, era funcionário da usina de cana e dizia que tinha autorização da empresa falida para permanecer no local.
A família de posseiros disse à Justiça que estava na área de maneira mansa e não violenta, plantando e criando animais no local, “exercendo assim a função social da terra”.
Afirmou ainda que, conforme o Código Civil, a aquisição da fazenda por Lira deveria ter sido feita por meio de escritura pública, sem a qual a negociação seria nula. Também apresentou comprovantes de contas de luz pagas no endereço desde 2002.
Segundo documento no processo, a saída dos ocupantes do local ocorreu de maneira pacífica em 25 de agosto, após intimação de oficial de Justiça.
A Folha procurou Arthur Lira para comentar o assunto, por meio de sua assessoria. Ele disse que não lhe caberia emitir qualquer juízo de valor sobre o mérito de medidas judiciais, “mesmo no caso dessa decisão unânime do Tribunal de Justiça do estado de Pernambuco”.
A defesa de Lira afirmou no processo que cria no local gado puro de origem, principalmente nelore, “utilizando de tecnologia genética e nutricional” e que a área é produtiva. Afirma que o Engenho Proteção é área contígua à fazenda Estrela, de propriedade de seu pai, Benedito, que é prefeito de Barra de São Miguel (AL).
Também disse, neste ano, que a fazenda não foi transferida em definitivo porque está pendente na Justiça a formalização da partilha dos herdeiros do dono anterior.
Não é a primeira vez que o deputado obtém medida para desocupar partes da fazenda. Em 2017, após uma ação de sem-terra no local, ele também conseguiu a reintegração de posse na Justiça pernambucana.