Um processo à espera de decisão do ministro Cristiano Zanin no STF (Supremo Tribunal Federal) pode definir o rumo, segundo investigadores, de casos que vão de ações sobre o 8 de janeiro aos da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital).
A ação que está com Zanin questiona decisão da Sexta Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça), que entendeu que a polícia não pode solicitar dados diretamente ao Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) sem autorização da Justiça.
Como mostrou a Folha, a decisão do STJ tem potencial, segundo investigadores, para anular investigações de crimes financeiros, lavagem de dinheiro e corrupção.
A possibilidade de que essa decisão não seja suspensa já causa preocupação generalizada tanto entre integrantes das polícias como dos Ministérios Públicos, que temem anulação em série de casos em andamento.
Delegados da área de combate à lavagem de dinheiro da Polícia Federal fizeram um périplo com ministros do STF nas últimas semanas, para apresentar seus argumentos.
O Ministério Público de São Paulo, também pelo receio do impacto nas investigações, solicitou o ingresso na ação como amicus curiae (entidade interessada), para que possa peticionar e fornecer subsídios ao processo. O MP-SP pede ao ministro Zanin a suspensão da decisão.
“Não se pode ignorar que o Superior Tribunal de Justiça goza de credibilidade inerente à sua missão constitucional e legal de uniformizar a aplicação e a interpretação do direito em todo o território nacional”, diz uma peça assinada por Mario Sarrubbo, procurador-geral de Justiça de SP.
Segundo Sarrubbo, é urgente a necessidade de suspender a decisão do STJ, sob risco de prescrição do caso em julgamento.
Zanin ainda não decidiu sobre a reclamação. É possível que recursos sejam feitos ao Supremo também por outros meios processuais, que têm tramitação mais lenta.
No geral, pessoas que atuam em investigações têm tentado manter em sigilo quais casos serão impactados para evitar uma avalanche de pedidos de anulações por parte de alvos com base na decisão do STJ.
A Folha conseguiu levantar alguns casos que podem ter reveses, se a decisão for mantida.
Um dos casos há risco de ser derrubado é o que gerou uma denúncia, em fevereiro de 2022, contra Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, apontado como um dos líderes da facção criminosa PCC, na qual houve pedido de bloqueio de bens.
Outro é o da Operação Sharks, também relacionada ao PCC, que levou à condenação de quatro integrantes da facção em 2022. Foram utilizados relatórios de inteligência no caso de um dos integrantes da organização.
A operação identificou um valor total de cerca de R$ 1 bilhão em pouco mais de um ano enviado para o Paraguai.
Existe risco, ainda, em ações derivadas da Operação Alquimia, deflagrada em 2018 em Sorocaba (SP), com o objetivo de combater agiotagem e extorsão mediante sequestro, além de lavagem de dinheiro.
Esses três casos tramitam na Justiça estadual de São Paulo.
No Rio de Janeiro, há ainda uma investigação relacionada ao bicheiro Rogério Andrade, cujo grupo criminoso, segundo divulgou o Ministério Público no início deste ano, movimentou R$ 16 bilhões.
Além disso, como a Folha mostrou, uma das investigações que podem ser afetadas é a que apura os supostos financiadores dos atos de 8 de janeiro e que tramita no próprio Supremo.
O caso que originou a decisão do STJ, porém, é do Pará. No processo analisado pela corte, o voto vencedor na Sexta Turma foi o do ministro Antônio Saldanha Palheiro.
Para ele, a possibilidade de solicitação direta da PF ao Coaf, sem autorização da Justiça, se enquadra “em uma situação diversa da qual foi decidida pelo Supremo Tribunal Federal”.
Para investigadores especializados em crimes financeiros e corrupção, a posição do STJ vai no sentido contrário da já manifestada pelo STF em julgamento sobre o tema em 2019, quando o Supremo avaliou pedido do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) para anular provas no caso da “rachadinha”.
Os advogados Gustavo Mascarenhas e Vinicius Gomes de Vasconcellos, responsáveis pelo habeas corpus que originou a decisão no STJ, afirmaram, no entanto, que o caso concreto a PF solicitou as informações apenas dez dias após instaurar o inquérito e sobre um período de seis anos e cinco meses.
Em 28 de agosto, o Ministério Público do Pará entrou com um pedido no Supremo, por meio de um instrumento processual chamado reclamação, para suspender a decisão do STJ. A solicitação foi distribuída para o ministro Cristiano Zanin.
Eles solicitaram que o ministro suspendesse a decisão do STJ por meio de uma liminar (determinação urgente), o que Zanin negou.
Créditos: Folha de S. Paulo.