Nem dá para dizer que Bolsonaro fez escola ao atacar o jornalismo, em especial mulheres jornalistas. Isso já acontecia, ainda que em menor escala, nos governos anteriores petistas. Mas os tempos eram outros. As redes sociais ainda não estavam contaminadas pela virulência que as permeia e os políticos não entendiam como poderiam manipular a opinião pública de acordo com suas pautas, coisa que a extrema-direita aprendeu com maestria.
O governo Lula ainda tem dificuldade de entender como a máquina funciona para se comunicar com eficiência com os cidadãos e fazer das redes um canal importante para divulgação de seus programas e os impactos que eles têm no país.
Infelizmente, o partido e a militância já deram demonstrações de que podem repetir o que fizeram no verão passado, agora com o alcance que a internet proporciona, como no ataque que teve a presidente do partido como uma das protagonistas.
Gleisi Hoffmann incitou a selvageria petista contra a jornalista Andreza Matais, do Estadão, ao compartilhar um texto recheado de desinformação publicado num blog petista, versão de esquerda do bolsonarista Terça Livre. Assim como a página comandada pelo foragido Alan dos Santos, a Fórum é um antro que sobrevive de fake news e ataques ao jornalismo tradicional, em especial, a jornalistas mulheres.
A presidente do PT foi seguida pelo ministro Flávio Dino, por quem tenho muito apreço e respeito, e pelo youtuber Felipe Neto. Este último, que tem milhões de seguidores, reconheceu o erro, mas o estrago estava feito.
A tática de intimidação à mídia, tratada como inimiga por políticos e regimes foi descrita no famoso “Como as Democracias Morrem”, de Steven Levisky e Daniel Ziblatt, um importante registro para entender como Jair Bolsonaro et caterva tentaram dinamitar a democracia por meio do enfraquecimento da imprensa.
Políticos e partidos de esquerda, seguidos por seus apoiadores, apontaram como a máquina bolsonarista atacou jornalistas. Com a eleição de Lula, voltaram a abraçar o mesmo expediente usado no passado, que antecede o impeachment de Dilma, episódio em que o PT declarou guerra ao jornalismo.
Em 2013, a jornalista Daniela Lima, apresentadora da GloboNews, era repórter da Folha e foi cobrir o ato de dez anos do PT no governo. “Houve tumulto na entrada. Fui checar. Militantes viram meu crachá. Tomei um chute pelas costas e fui chamada de coisas como ‘cadela do PIG’ —termo usado por detratores quando a imprensa era chamada de golpista”, relatou em artigo para o jornal. Depois da eleição de Bolsonaro, a mesma jornalista passou a ser perseguida pela direta. Por quê? Por fazer seu trabalho.
O ataque à Daniela é um exemplo de como a hostilidade de figuras públicas reverbera no eleitorado e produz episódios de violência psicológica e, muito pior, física. É um sinal verde dos líderes para que a intimidação aconteça em grande escala. Não tem nada a ver com crítica, é puro linchamento virtual, comportamento criticado pelo PT nos anos Bolsonaro, mas resgatado por membros do partido e correligionários.
Para refrescar a memória de todos, quero lembrar como a imprensa foi tratada na época das manifestações contra o impeachment, ao qual eu fui contrária. Um parêntese aqui. Falei abertamente que era contra o processo por N razões, mas até hoje sou chamada de golpista por essa gente tão acolhedora e democrática que habita parte da esquerda brasileira. Fecha parêntese.
Às equipes de TV restou procurar abrigo no alto dos prédios para registrar os atos. Repórteres de jornais tinham receio de ser identificados. Qualquer crítica era tratada como perseguição. Há uma lista interminável de profissionais que passaram a ser hostilizados por membros do governo, do partido, da militância, de jornalistas alinhados ao status quo.
Os anos Bolsonaro foram terríveis para a liberdade de imprensa. O ex-presidente, seus filhos, ministros e parlamentares tornaram o ambiente perigoso e irrespirável. Em 2012, um levantamento da Repórteres Sem Fronteiras (RSF) e do Instituto Tecnologia e Sociedade (ITS-Rio) registrou meio milhão de tuítes contendo hashtags ofensivas à imprensa em apenas três meses. Mulheres eram a maioria dos alvos. Lamento ter ocupado o primeiro lugar dessa lista. No mesmo ano, um estudo da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) mostrou que Bolsonaro e os filhos foram responsáveis por cerca de 800 ataques a jornalistas.
Manter viva na memória a recordação de que foi o pior período para o jornalismo desde a redemocratização não impede que estejamos atentos aos arroubos autoritários de uma parte da esquerda que se comporta da mesma forma.
A imprensa merece críticas, cobranças, fiscalização, mas dentro das regras que a mantêm como um dos pilares da democracia. Para falar em nome dela, Lula, o PT, a presidente do partido e seus correligionários precisam não apenas respeitar, mas presar por sua liberdade.
Fonte: Folha de S. Paulo.