Indicado pelo presidente à Suprema Corte, Dino herdará ações contra os dois políticos; especialistas afirmam que futuro magistrado deveria se afastar de julgamentos relacionados ao petista
No caso de Bolsonaro, grande parte das ações contra o ex-presidente deixaram o STF após a perda do mandato e, logo, do foro privilegiado. No entanto, ele ainda responde na Corte por incitação aos ataques antidemocráticos do 8 de janeiro, a fala que correlacionou a vacina da Covid à contração do vírus da Aids, o HIV, suposta interferência na Polícia Federal e disseminação de fake news referentes ao processo eleitoral.
Em declarações públicas, por pertencer à classe política, Dino criticou as políticas públicas aplicadas pelo ex-mandatário durante a pandemia. Em abril de 2021, ao programa Bom para Todos, da TVT, chamou Bolsonaro de “serial killer”:
— O conjunto da obra do Bolsonaro enseja múltiplos crimes de responsabilidade. Desde o ponto de vista fiscal, essa tentativa de golpe. Coação no Judiciário, no Legislativo. Ameaças aos governadores com violação do princípio federativo. É um serial killer. Ele pega os tipos penais da Lei 1.079 e percorre com maestria. Um dos pontos altos, o que ele faz melhor na vida, é cometer crime de responsabilidade — disse o então governador do Maranhão.
Por posicionamentos como esse, a defesa do ex-presidente pode pedir o impedimento de Dino em processos contra Bolsonaro. Esta é a avaliação de Berlinque Cantelmo, advogado especialista em ciências criminais.
— O que nós temos é um magistrado de carreira, que hoje ocupa um cargo político. Resta saber se as opiniões dadas por ele até então são diretamente ligadas ao bojo das acusações ou não. Esse argumento pode ser usado pela defesa do Bolsonaro, caso sejam redistribuídos ao ministro Flávio Dino, em razão do critério de imparcialidade — diz o advogado.
Segundo a legislação brasileira, o artigo 254 do Código de Processo Penal, amizade íntima ou inimizade capital configuram suspeição do magistrado. Os conceitos são amplos, mas as declarações poderiam ser usadas pelos advogados como uma forma de comprovar “rancor, desejo de vingança ou ódio”. No entanto, em via de regra, a Corte costuma não levar em conta esses pedidos.
Já em relação a Lula, por ocupar o mais alto cargo do Executivo, o presidente só pode ser julgado pelo STF. Neste contexto, passará pelo magistrado ações que dizem respeito ao petista e os integrantes de seu governo. Atualmente, o ministro das Comunicações, Juscelino Filho, é julgado pela Corte em um processo que estava na relatoria de Rosa Weber, quem Dino deve substituir.
Esta ação investiga se emendas do então deputado federal foram usadas para desvio de dinheiro público em obras da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf).
Neste cenário, a avaliação dos especialistas é de que a melhor conduta seria o próprio ministro se declarar suspeito.
— Caso algum julgamento possa despertar uma sensibilidade maior da sociedade e das instituições, provavelmente, o interesse da Corte falará mais alto e o próprio ministro deverá se declarar suspeito — diz o professor de direito constitucional da UFRJ Fernando Bentes.
A opinião é respaldada pelo advogado Edgard Monteiro de Menezes, mestre em direito penal pela UERJ. Na visão de Menezes, a suspeição só ocorreria em casos diretamente ligados ao exercício de sua atual função no Ministério da Justiça.
— Se forem relativos às atribuições que ele tem hoje como ministro da Justiça, ele deve se declarar impedido, mas isso deve ser analisado caso a caso — afirma Edgard Monteiro de Menezes, advogado e mestre em direito penal pela UERJ.
A segunda possibilidade de afastamento é descartada. Isto porque o impedimento ocorre quando o juiz possui parentesco com as partes, tem interesse na causa como herdeiro ou sócio de pessoa jurídica envolvida ou já tenha atuado no processo em outra instância. Esses casos não se aplicam ao ministro Flávio Dino.
O Globo