Fatores ambientais e de estilo de vida, como alimentação e sedentarismo, têm sido associados a uma queda na qualidade do sêmen nos últimos 50 anos. Agora, o uso constante do celular soma-se a eles. Um estudo com 2.886 homens jovens sugere que a radiação eletromagnética emitida pelos telefones tem relação com uma menor concentração e contagem total de espermatozoides, o que poderia interferir na fertilidade masculina. O artigo, da Universidade de Genebra (Unige) e do Instituto Suíço de Saúde Tropical e Pública (Swiss- TPH), foi publicado na revista Fertility & Sterility.
Serge Nef, professor de Medicina Genética e Desenvolvimento da Faculdade de Medicina da Unige e um dos diretores do estudo, explica que a qualidade do sêmen é definida pela avaliação de parâmetros como concentração e contagem de espermatozoides, além de motilidade e morfologia dos gametas. Essas duas últimas características não sofreram alterações, destaca.
Segundo valores estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS), um homem provavelmente demorará mais de um ano para conceber um filho se a concentração de espermatozoides for inferior a 15 milhões por mililitro. Além disso, a probabilidade percentual de gravidez diminuirá se houver menos de 40 milhões de gametas por mililitro do sêmen.
Nef destaca que diversos estudos anteriores apontaram para uma queda na qualidade do sêmen nas últimas cinco décadas, passando, em média, de 99 milhões para 47 milhões por mililitros. Acredita-se que a combinação de fatores ambientais, como exposição a desreguladores endócrinos, pesticidas e radiação, e hábitos, como dieta, álcool e tabagismo, esteja por trás do fenômeno.
Frequência
O estudo atual é o desdobramento de um primeiro levantamento, de 2019, sobre a qualidade do sêmen de suíços entre 18 anos e 22 anos, recrutados entre 2005 e 2018 em seis centros militares. Os pesquisadores estudaram a associação entre os parâmetros do sêmen de 2.886 homens e o uso de celulares. Os jovens preencheram um questionário detalhado relacionado com hábitos de vida, estado geral de saúde e, mais especificamente, a frequência com que utilizavam os seus telefones, bem como onde os colocavam quando não estavam em uso.
Os dados revelaram uma associação entre uso corriqueiro de celular e menor concentração de espermatozoides. A medida foi significativamente maior no grupo de homens que não utilizavam o telefone mais de uma vez por semana (56,5 milhões/mL) em comparação àqueles que mexiam no aparelho mais de 20 vezes por dia (44,5 milhões/mL). A diferença corresponde a uma redução de 21% para usuários frequentes, em comparação com os raros.
“Essa associação inversa revelou-se mais pronunciada no primeiro período de estudo (2005-2007) e diminuiu gradualmente com o tempo (2008-2011 e 2012-2018)”, conta Serge Nef. A tendência, observa a primeira autora do estudo, Rita Rahban, da Unige, corresponde à transição da tecnologia 2G para 3G e, posteriormente, para 4G, que reduziu a potência de transmissão de telefones.
”Estudos anteriores que avaliaram a relação entre o uso de celulares e a qualidade do sêmen foram realizados num número relativamente pequeno de indivíduos, raramente considerando informações sobre estilo de vida, e foram sujeitos a viés de seleção, uma vez que foram recrutados em clínicas de fertilidade”, observa Rahban. “Isso levou a resultados inconclusivos”, explica. Agora, ela acredita que há uma base sólida de dados para incluir a radiação eletromagnética entre os redutores da qualidade do sêmen.
A análise também parece mostrar que a posição do telefone — por exemplo, no bolso da calça — não estava associada a parâmetros de sêmen mais baixos. “No entanto, o número de pessoas nesta coorte que indicaram que não carregavam o telefone perto do corpo era muito pequeno para tirar uma conclusão realmente robusta sobre este ponto específico”, acrescenta Rahban. Ela destaca, porém, que, como a maioria dos estudos epidemiológicos sobre o tema, a pesquisa é baseada em autorrelatos, que é uma limitação importante.
Neste ano, a Secretaria Federal do Meio Ambiente da Suíça começou a financiar um estudo que medirá, direta e precisamente, a exposição às ondas eletromagnéticas, especificando o tipo de uso (chamada, navegação, envio de mensagens), e relacionando ao impacto da saúde reprodutiva masculina. Os dados serão coletados por um aplicativo.
llan Pacey, professor de Andrologia da Universidade de Manchester, no Reino Unido, conta que, até agora, os estudos que associam o uso do celular à queda na qualidade do sêmen não o convenceram.”No entanto, o de hoje (ontem) é um pequeno avanço no debate porque se trata de um grande estudo epidemiológico que parece ter sido muito bem conduzido”, avalia. Ele destaca, porém, que é preciso cautela quanto à interpretação dos dados, pois não se pode ter certeza de que algum outro aspecto da vida dos homens investigados não tenha interferido na contagem dos espermatozoides.
Palavra de especialista / Mais estudos são necessários
“Esse é um estudo bem elaborado, e de uma organização altamente respeitada. No entanto, existe uma necessidade vital por parte do leitor leigo de evitar interpretar excessivamente os resultados e tirar conclusões que são difíceis de justificar. O autorrelato é notoriamente propenso a incertezas e é provável existirem numerosos fatores de confusão que os autores, e futuros investigadores, serão capazes de estudar, como a hipótese de que o aumento do uso do telefone está associado à ansiedade, que seria, então, a causa da menor qualidade do esperma. Esse artigo é um bom impulsionador para mais pesquisas nessa área complicada.”
Malcolm Sperrin, pesquisador Instituto de Física e Engenharia em Medicina (Ipem) da Universidade de Oxford, na Inglaterra