O ministro da Justiça, Flávio Dino, não foi indicado pelo presidente Lula da Silva para o Supremo Tribunal Federal (STF) por seu notório saber jurídico, e sim por seu notório saber político. A nomeação de Dino escancara que, para Lula, assim como para Jair Bolsonaro antes dele, o STF se transformou de vez em uma arena política.
Dino deixou a magistratura em 2007 para mergulhar na vida política. Por isso, não se conhecem muito bem suas qualidades como juiz, mas todos estão plenamente cientes de seus dotes políticos, e é em razão deles que o ministro ganhou a corrida por uma vaga no Supremo. Ex-deputado, ex-senador e ex-governador do Maranhão, Dino transformou o Ministério da Justiça em ribalta. Em vez de demonstrar a necessária discrição de quem era responsável por zelar pela defesa da ordem jurídica, dos direitos políticos e das garantias constitucionais, Dino ganhou os holofotes ao fustigar adversários e fazer prejulgamentos sobre casos envolvendo bolsonaristas e o próprio ex-presidente Jair Bolsonaro. Com isso, perdeu capital moral, mas ganhou o coração de Lula.
Mas não é só a Lula que interessa o ingresso de Dino no STF. Consta que os ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes fizeram gestões por seu nome e também pelo nome do indicado por Lula para a Procuradoria-Geral da República, o subprocurador-geral Paulo Gonet. Não é novidade que ministros do STF se empenhem em emplacar nomes de sua confiança para vagas na Corte, mas poucas vezes se viu algo tão explícito. Articula-se à luz do dia a formação de uma tropa de choque.
Nada disso parece ter qualquer parentesco com o melhor interesse público. Já passou da hora de o STF voltar ao leito da normalidade institucional, afastando-se dos embates políticos. Com Dino, contudo, o que se descortina é o exato oposto do necessário esforço de autocontenção do Supremo.
O STF tem o dever de se reconciliar com a parcela da sociedade brasileira – que está longe de ser composta apenas por bolsonaristas e outros radicais – que tem visto com desconfiança a atuação da Corte, exatamente porque várias de suas decisões não raro são vistas como enviesadas. Não são receios infundados. Ministros do STF têm se deixado influenciar pelos voláteis humores da política, quando não os influenciam. Avalizam inquéritos eivados de questionamentos, relativizam direitos e atropelam garantias em nome da salvação da democracia. Reconheça-se que em certo momento o Supremo acertou ao esticar excepcionalmente os limites de sua atuação, pois o País viveu uma ameaça real de ruptura, mas esse momento já passou.
O problema é que parte do Supremo parece ter tomado gosto pela política, e não por acaso o Congresso começa a reagir a esse entendimento elástico sobre o papel da Corte na ordenação institucional brasileira.
É nesse contexto que deve ser lida a indicação de Flavio Dino ao STF. Como ministro da Justiça, Dino demonstrou imensa disposição para o embate. Em vez de submeter a política ao Direito, que era sua função no Ministério, fez o exato inverso. Em nenhum momento Dino atuou para demonstrar que as instituições de Estado estavam a salvo das virulentas disputas políticas das quais participava, quase sempre de forma ruidosa.
Recorde-se, por exemplo, que Dino não teve dificuldades para considerar que a suposta agressão de bolsonaristas à família do ministro Alexandre de Moraes no aeroporto de Roma poderia ser enquadrada como crime contra o Estado Democrático de Direito, numa flagrante distorção do espírito da Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito. Ainda sobre esse caso, Dino chegou a declarar que a diligência de busca e apreensão na casa daqueles bolsonaristas, claramente desproporcional, estava plenamente justificada “pelos indícios de crimes já perpetrados” – conclusão à qual ele não poderia chegar dado o fato de que o inquérito não está concluído e corre em sigilo.
Ao apelar para interpretações heterodoxas da lei e da Constituição e atropelar o papel institucional do Ministério da Justiça, o sr. Dino deveria ter sido desconsiderado como candidato ao Supremo. No entanto, como o critério para a escolha não é jurídico, isso pouco importa.
Estadão/Opinião