O governo reconheceu que o déficit primário deste ano será pior do que se esperava. Segundo novas projeções do Relatório Bimestral de Avaliação de Receitas e Despesas, o rombo orçamentário deve atingir R$ 177,4 bilhões, um valor R$ 35,9 bilhões superior à estimativa anterior, feita há dois meses.
Se confirmado, o saldo negativo equivalerá a 1,7% do Produto Interno Bruto (PIB). Oficialmente, o rombo ainda está dentro do limite de 2% estabelecido na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) deste ano, de até R$ 213,6 bilhões, mas é bem pior que a meta de 1% com a qual o ministro Fernando Haddad havia se comprometido no início deste ano.
A brutal piora no resultado se deve a muitos fatores. O governo, como sempre, mencionou eventos extraordinários para justificar o déficit maior. Parte disso se deve a uma estratégia de aproveitar o espaço no Orçamento de 2023 para quitar passivos que possam prejudicar a apuração nos anos seguintes.
Como explicou o economista Marcos Mendes ao jornal Valor, o governo antecipou o pagamento de compensações a Estados e municípios, que seria parcelado ao longo dos próximos anos, e adiou a previsão de entrada de recursos de depósitos judiciais da Caixa. O Executivo também busca autorização do Supremo Tribunal Federal (STF) para quitar o passivo de precatórios que herdou do governo Bolsonaro de uma só vez.
Mas o próprio relatório indica que esses artifícios não serão suficientes para zerar o déficit no ano que vem. Enquanto a arrecadação de impostos patina há meses, as despesas continuam a aumentar em termos reais, ou seja, acima da inflação. Essa “frustração” na arrecadação, consequência de estimativas irreais quanto à recuperação de receitas, levou o Executivo a bloquear R$ 1,1 bilhão em gastos, elevando o contingenciamento deste ano a R$ 5 bilhões.
Negando a realidade, o governo não apenas se recusa a rever gastos estruturais, como planeja aumentá-los. Promessa de campanha da ministra do Planejamento, Simone Tebet, o programa para incentivar alunos de baixa renda a concluírem o ensino médio deve custar entre R$ 4 bilhões e R$ 7 bilhões, a depender do alcance e do formato a ser adotado.
Tal proposta certamente é meritória, mas viabilizá-la requer cortar despesas na mesma proporção, como manda a lei, e não abrir mais uma exceção para contabilizar os gastos fora dos limites do arcabouço fiscal. A manobra não apenas desmoraliza toda a articulação de Haddad para aprovar o novo regime fiscal na Câmara e no Senado, como enfraquece a âncora que nem começou a vigorar.
Como não poderia deixar de ser, a descrença em relação à política fiscal do governo só cresce. Depois que Lula da Silva desqualificou a importância de zerar o déficit em 2024 e o governo passou a defender limites para o contingenciamento, nada menos que 100% dos profissionais de mercado consultados na última pesquisa Genial/Quaest acreditam que o governo não cumprirá a meta. Para 77% dos entrevistados, a falta de uma política fiscal que funcione é o principal problema a dificultar a melhora da economia.
A divulgação da prévia do PIB pelo Banco Central (BC) confirmou a perda do vigor da atividade na segunda metade do ano. Sem o apoio do agro, indicadores antecedentes do comércio e dos serviços e a confiança dos empresários e consumidores não permitem otimismo. O próprio governo reduziu sua projeção para o crescimento do PIB neste ano de 3,2% para 3% e, entre os analistas, há quem já preveja recessão técnica no segundo semestre.
O pessimismo em relação à economia não vem apenas do mercado. Entre a população, as avaliações negativas sobre o governo Lula já superam as positivas, segundo a mais recente pesquisa Atlas – e isso em pleno primeiro ano de mandato, quando a paciência do eleitor costuma ser maior.
Nesse cenário turvo, é urgente que o governo comece a entregar algo do que prometeu e a cumprir as metas fiscais que ele mesmo propôs. Abrir a torneira dos gastos não resolverá o problema e vai retroalimentar um contexto de crescimento medíocre, baixo investimento e juros elevados com o qual o País convive há anos.
Estadão