No anoitecer de uma quarta-feira fria, em outubro, os sons que preenchiam a casa de Ambre Romero eram familiares: a máquina de lavar louça sendo esvaziada pelos netos, e o marido, que acabara de chegar do trabalho, vendo TV. Romero estava se arrumando para assumir seu posto no cassino do hotel MGM Grand Detroit, onde trabalha desde 1999, servindo coquetéis. Vestiu um corpete azul, despediu-se da família e foi de carro a um posto de gasolina próximo comprar um energético Red Bull e algumas raspadinhas da loteria instantânea Lucky 13.
Romero, que tem cabelo castanho avermelhado longo e um sorriso irônico, gosta da previsibilidade de suas noites. Seus turnos envolvem clientes habituais, cuja família, os problemas de saúde e o nome dos animais de estimação ela conhece bem. O trabalho é exatamente como gosta: incessantemente social. Ex-bailarina, agora serve coquetéis, porque, segundo ela, é semelhante a uma performance.
Mas, assim como muitos milhões de americanos, Romero viu seu emprego se transformar nos últimos anos em virtude da chegada de tecnologias que automatizaram partes de seu trabalho.
Quando o ChatGPT foi lançado, há cerca de um ano, a atenção da sociedade se voltou para as funções ligadas à economia do conhecimento que a inteligência artificial (IA) pode transformar, da área jurídica à redação publicitária. O Goldman Sachs previu que a IA generativa, tecnologia capaz de criar textos, imagens e sons em resposta a instruções simples, poderia automatizar o equivalente a cerca de 300 milhões de empregos em tempo integral.
Mas, muito antes que os serviços de IA generativa chegassem ao mercado, dezenas de milhares de empregos no setor hoteleiro — que não é muito associado à automação — já estavam mudando diante das pressões das tecnologias robóticas: robôs que fazem serviço de quarto, preparam saladas e registram os hóspedes na recepção. Nessa indústria e na de alimentação, 70% dos trabalhadores poderão testemunhar a automação de mais da metade de suas funções, inclusive pela IA, segundo estimativas feitas pela companhia McKinsey neste ano.
“Agora, o risco para os trabalhadores de escritório é novidade, mas os trabalhadores manuais enfrentam isso há muito tempo”, disse Darrell West, pesquisador sênior do Centro de Inovação Tecnológica da Brookings Institution.
As mudanças nos ritmos confortáveis e previsíveis do emprego de Romero começaram em 2019, com a chegada dos sistemas Smart Bar, ou dispensadores automatizados de coquetéis, acompanhados, como ela descreveu, por um treinamento rápido e superficial. De repente, ela se viu lidando com máquinas que não funcionavam bem, porque respingavam líquido nos garçons e, frequentemente, não tinham as bebidas solicitadas pelos clientes. Romero passou a ficar mais tempo cuidando das máquinas do que conversando com os clientes, mudança que, conforme ela descobriu depois, reduziu suas gorjetas em 30%.
“Não conheço ninguém que goste do Smart Bar. Todas as nossas responsabilidades aumentaram. Só servíamos coquetéis. Depois, além de preparar as bebidas, passamos a servir e cuidar do bar”, afirmou ela, que ganha pouco mais de US$ 13 por hora.
Nos corredores dos andares superiores do hotel MGM Grand, onde a equipe de limpeza empurra seus carrinhos cheios de produtos, novas tecnologias também estão reestruturando os serviços. Desde o início deste ano, mais tarefas relacionadas à função foram facilitadas por meio de um aplicativo digital chamado HotSOS, que atribui aos arrumadores os cômodos que devem ser limpos e a ordem em que o serviço deve ser executado. Mas o aplicativo às vezes falha, designando ao funcionário um quarto que ainda está ocupado por um hóspede ou perdendo completamente o sinal, deixando a equipe confusa.
Para eles, esse tem sido um fator perturbador em meio à sua rotina cuidadosamente coreografada. “Você começa a enlouquecer, principalmente quando sabe que determinados quartos precisam ser arrumados. É frustrante ter de ficar parada no corredor tentando descobrir como entrar em um quarto”, queixou-se Alicia Weaver, de 60 anos, funcionária da limpeza que trabalha no MGM Grand desde 1999 e que recebe US$ 17,76 por hora.
Quando as novas tecnologias chegaram, disseram a Weaver que o propósito delas era facilitar seu trabalho. Em vez disso, há momentos em que o HotSOS trava, precisa ser reiniciado e, em seguida, apaga os registros dos quartos que ela já limpou.
Os executivos do MGM Grand se recusaram a comentar o uso de tecnologias robóticas. Alguns funcionários do cassino disseram que as novas formas de automação foram bem recebidas em sua função, porque aliviam a carga de trabalho. Não são contra a tecnologia, mas querem ser avisados de sua implantação e que suas críticas sejam consideradas. “Na verdade, fiquei um pouco animada. Achei que seria conveniente”, afirmou Denita Anderson sobre o HotSOS, funcionária da limpeza que trabalha no MGM Grand desde o ano passado.
Um coproprietário do fabricante do Smart Bar argumentou que a tecnologia ajuda os trabalhadores a preparar bebidas mais rapidamente, o que significa que podem atender mais clientes e receber mais gorjetas. “Os bartenders ganham mais dinheiro quando servem mais bebidas. Adivinha quem ganha com isso? O bartender, e a casa também”, comentou Barry Fieldman, sócio-gerente da Smart Bar USA, e acrescentou: “O uso da tecnologia não é negociável. É necessário encontrar uma maneira de treinar os funcionários e mostrar que ela pode ajudá-los a ganhar mais dinheiro. Assim, não vão ter tanto medo dela.”
Além disso, a Amadeus, empresa que fabrica o HotSOS, declarou que sua tecnologia ajudou a equipe de limpeza a transcender os sistemas antiquados, nos quais a atribuição de quartos era feita em papel, permitindo a execução das tarefas com mais rapidez e segurança. “Esse fluxo de trabalho reduz a movimentação de carrinhos de limpeza sem necessidade, garante seus intervalos programados e fornece uma maneira mais eficiente de cumprir suas funções diárias”, disse Alberto Santana, vice-presidente-executivo de vendas da empresa, acrescentando que sua equipe de atendimento ao cliente responde a todos os comentários e reclamações que recebe.
No dia 17 de outubro, Romero, Weaver e cerca de 3.700 de seus colegas entraram em greve, depois do vencimento de seu contrato, enquanto os sindicatos que os representam — incluindo o Unite Here Local 24 (sindicato dos trabalhadores dos setores de hotelaria, restaurantes, alimentos, serviços e outros relacionados), o United Automobile Workers Local 7777 (sindicato de trabalhadores da indústria automotiva), o Teamsters Local 1038 (sindicato dos trabalhadores da indústria do transporte, logística e serviços públicos), o Operating Engineers Local 324 (que representa trabalhadores em operações de equipamentos pesados, manutenção de instalações e áreas relacionadas) e o Conselho Regional dos Carpinteiros do Michigan — continuam negociando um novo. Muitas das questões no centro das negociações são comuns, como salários mais altos para acompanhar os custos de vida em constante aumento, horários mais estáveis e mais recursos para a saúde.
Mas as tecnologias usadas por hotéis e cassinos também fazem parte das negociações. Os trabalhadores querem ser incluídos nas decisões sobre sua implantação e seu uso.
O sindicato está exigindo que os funcionários sejam notificados com pelo menos seis meses de antecedência quando for planejada a incorporação de novas tecnologias no local de trabalho, para que tenham a oportunidade de negociar como as tecnologias serão usadas, sejam treinados para saber como usá-las e para que sejam concedidas indenizações aos trabalhadores sindicalizados quando forem demitidos em detrimento das novas tecnologias (cerca de metade dos membros do Unite Here no país inteiro já garantiram disposições semelhantes).
Essas condições se aplicam ao Smart Bar e ao HotSOS, mas também a muitos outros produtos tecnológicos, incluindo aqueles que, segundo os trabalhadores, representam uma ameaça à sua segurança. Por exemplo, a tecnologia de pedidos, como os tablets, às vezes permite que menores de idade peçam bebidas alcoólicas, e fica a critério dos garçons entregar, ou não, os coquetéis, o que pode irritar os clientes. “Você está acostumado a fazer seu trabalho de determinada maneira ao longo de muitos anos e, de repente, chegam e dizem: ‘Bom, vamos mudar isso’. Se algo vai ser implantado, todo mundo deve entender bem como funciona”, argumentou Weaver.
No início de outubro, Romero parou na sede do sindicato Teamsters, perto do MGM Grand, para cumprimentar os membros sindicalizados e voluntários que estavam reunidos em preparação para uma possível greve. Entrou acompanhada do seu neto, que chutava uma bola. “Vocês estão vindo buscar o dinheiro da greve?”, perguntou um membro do sindicato. Outro apontou para o neto de Romero e perguntou: “Então, ele é o chefe?”.
Dentro do espaço iluminado por luzes fluorescentes, os voluntários fixavam, em varas de papelão, cartazes com grandes imagens de dados de jogos de tabuleiro que diziam: “Não apostem nosso futuro”.
Os trabalhadores querem lembrar seus empregadores, e a si mesmos, de tudo que investiram em seu emprego. Weaver desenvolveu a síndrome do túnel do carpo por colocar lençóis sob as camas e dores nas costas por levantar colchões, e suas pernas incharam por ficar em pé o dia inteiro.
Romero, por sua vez, fica irritada quando pedem a ela uma bebida que o Smart Bar não tem e precisa correr pelo cassino para tentar encontrar um bartender que possa fazê-la. Quando volta com a bebida para o cliente, às vezes ele já foi embora, e ela só desperdiçou seu tempo. “Por conta das dificuldades que os Smart Bars causam, estou sempre correndo. Ainda gosto do meu trabalho. Só que agora é muito mais difícil.”
Créditos: R7.