A italiana Susanna Marchionni, CEO da proptech Planet Smart City, recentemente conseguiu o aguardado passaporte brasileiro. A conquista demonstra sua paixão pelo Brasil, mas sua ligação com o país tem se estreitado a cada investimento que sua empresa realiza para a criação de cidades e bairros inteligentes. No mais recente deles, a Smart City Praia Bela, no estado do Ceará, ela aportou R$ 110 milhões para a construção de um empreendimento que deve retornar em vendas R$ 250 milhões, dando sequência à consolidação aos anteriores Smart Cities Lagua e Aquiraz, também no Ceará, e Smart City Natal, no Rio Grande do Norte.
Localizada estrategicamente na CE-040, km 36, no município de Aquiraz, região metropolitana de Fortaleza, a nova cidade inteligente vem para atender à demanda por moradias inovadoras e sustentáveis na região. Com a construção de 735 casas já planejada, promete revolucionar a vivência urbana através de cerca de 50 soluções inteligentes. Entre as inovações, destacam-se a pavimentação drenante, iluminação pública inteligente, banco de mudas, hub de inovação, bicicletas compartilhadas, Wi-Fi gratuito, cinema gratuito, oficinas, ateliê e espaço cultural com livros.
Cada uma dessas inovações faz parte das raízes da Planet Smart City, que nasceu para resolver questões de déficit habitacional e promover a sustentabilidade em projetos urbanos. Fundada em Turim, na Itália, a empresa se expandiu marcando presença no Reino Unido, Índia e Brasil. Com uma Taxa Interna de Retorno (TIR) de 30%, a Planet Smart City teve um faturamento de R$ 295 milhões no Brasil no ano passado e projeta um Valor Geral de Vendas (VGV) de R$ 300 milhões para este ano. A Planet Smart City também planeja ‘smartizar’ outros condomínios existentes e ajudar construtoras a desenvolver projetos focados em cidades inteligentes. A visão de longo prazo inclui listar a empresa na Nasdaq nos próximos dois ou três anos, com lucros projetados para 2025.
Em entrevista à EXAME, Susanna contou mais sobre como enxerga o conceito de smart cities, e como ele pode transformar o morar contemporâneo. Ela também contou como torna os negócios, hoje voltados para a classe baixa e média, sustentáveis no longo prazo e como focar a gestão das comunidades é o grande desafio. Confira, abaixo, os principais trechos da conversa:
O movimento modernista na arquitetura tentou estabelecer que o morar do século 20 deveria ser diferente do que existia até então. A ideia era romper com o que era feito para estabelecer o novo jeito de construir. Como você relaciona essa transformação com o conceito atual de moradia e cidades inteligentes? Onde há um rompimento?
Não é mais apenas sobre morar bem, especialmente se falarmos de cidades inteligentes. Ainda que a maioria das pessoas pense que smart city seja algo para países superdesenvolvidos ou consumidores de ”alto padrão”’, para usar o termo típico brasileiro, a ideia é criar algo acessível. Associamos moradia inteligente não só com tecnologia mas também com mudança de vida, cuidado com o meio ambiente, planejamento urbano e inclusão social. Quem constrói esse tipo de projeto precisa entregar mais do que infraestrutura física; é necessário gerar interação entre moradores e criar um senso de pertencimento, mudando a forma de morar. Se fizermos esse comparativo com o modernismo, é sobre dizer que não é apenas construir uma casa, é construir um conceito ao redor do morar.
Mas como esse tipo de projeto pode ganhar espaço no mercado e sair da função de ser um mote marqueteiro? Junto disso, qual equação permite entregar tudo isso pelo mesmo preço dos projetos comuns?
No nosso caso, temos um aplicativo gratuito do bairro, chamado Planet App. Trata-se de um painel de controle da cidade, com festas, eventos, horários de programação da biblioteca, do cinema, todos os livros cadastrados. Dentro do aplicativo, você pode reservar e vender produtos e serviços. Na última venda, fizemos 1,8 mil apartamentos. Fizemos um leilão para fabricantes de eletrodomésticos que quisessem vender diretamente a esses moradores. A Electrolux ganhou e vendeu os eletrodomésticos com 40% de desconto. Oitocentas famílias compraram. A comissão desse intermédio é lucro para mim e parte volta para os projetos sociais. Assim, o negócio se torna viável ainda que tenha esse apelo social.
É um modelo que funciona bem em condomínios que estão nascendo. Mas é adaptável para cidades onde já existe um bairro, ou para retrofit de um condomínio inteiro?
Com certeza. Na Itália, só trabalhamos assim. A maioria dos projetos é em áreas existentes. Não dá para aplicar todas as nossas soluções em um local já construído, mas podemos chegar com o aplicativo que pode ajudar a costumizar algo já existente. O ideal é planejar do zero, escolher as melhores soluções para cada projeto. Mas, mesmo em locais já construídos, há a possibilidade de customização, especialmente com o aplicativo.
Então fortalecer a comunidade é a intenção do negócio, mas também o grande desafio?
Sim, o trabalho da gestão social é fantástico e impacta demais. É um trabalho entre um síndico e um psicólogo. Passamos pelo menos dois anos com os moradores. Você não mora apenas em uma casa, mas em uma cidade. Cada um precisa pertencer à cidade. Cuidar do bem comum. Trabalhamos desde ensinar crianças a não jogar papel no chão até adultos a cuidarem do bem comum.
No Brasil, temos exemplos de cidades planejadas como Brasília. Mas, com o tempo, é difícil manter o controle do projeto inicial. Muda-se o plano diretor, os estilos de construção são adaptados pelos morados e os bairros ganham formas diferentes. Você acha que isso pode acontecer com empreendimentos da Planet Smart?
Quando fecho o contrato, deixo claro que a gente faz a manutenção e a gestão. Se não tivermos mais controle, não podemos garantir o que estamos prometendo. Você faz um projeto, entrega, mas a gestão precisa ser feita. Temos parceiros estratégicos que ajudam. Na Índia, por exemplo, temos a Tata Trust. É uma parceria muito importante para a gestão. Você precisa de controle para garantir o resultado. É importante entender isso.
Exame/André Lopes