Javier Milei, eleito presidente da Argentina com uma vantagem de 11 pontos sobre Sergio Massa, tem sido acusado pela imprensa mundo afora, e, particularmente pela brasileira, de ser um líder de extrema direita. Milei também é acusado de representar um risco à democracia. Nada poderia ser mais infundado.
O ex-ministro Paulo Guedes gosta de repetir como mantra a existência de dois grandes pilares da civilização ocidental, dois mecanismos de cooperação, um político e outro econômico: a democracia e o livre mercado. Com raras exceções, as economias que conquistaram melhores condições de vida para a sua população se basearam nesses dois pilares.
Milei defende os dois. Em relação à democracia, é um crítico ferrenho das ditaduras. Avisou que o setor privado está autorizado a negociar com todos os países, mas que o governo argentino evitaria acordos com ditaduras como China, Venezuela e Nicarágua. E que privilegiaria um alinhamento com democracias de livre mercado, como Estados Unidos, Israel e a União Europeia.
Em relação à economia, Milei, que é indiscutivelmente bem formado, professor por mais de duas décadas e autor de diversos livros e artigos, é defensor da Escola Austríaca. Mas é muito difícil falar sobre suas propostas sem entender o contexto econômico da Argentina nas últimas décadas.
Desde 1946, quando Juan Domingo Perón chegou à casa Rosada, a Argentina foi governada por peronistas durante 41 anos. Nesse período, a Argentina passou de uma das economias mais ricas do mundo para um cenário em que 40% da população vive em situação de pobreza.
O que explica essa catástrofe? A opção por seguir uma cartilha avessa ao livre mercado. Gastos elevados do governo foram financiados por impressão de moeda e endividamento. O resultado foi a elevada inflação, que atingiu 140% na véspera das eleições. Em 2001, 100 pesos argentinos compravam 100 dólares. Hoje, no mercado negro, 100 pesos compram cerca de 10 centavos de dólar, uma perda de 99,9% do valor da moeda em duas décadas. A América Latina é campeã em dar calote na sua dívida externa, a chamada moratória. A Argentina deu nove calotes desde sua independência em 1816, sendo três deles nas últimas duas décadas.
Dado esse contexto, as propostas de Milei de substituir o governo, causador de tanta pobreza, por mercados, parece bastante sensata. Ele propõe corte de gastos, privatização, liberdade de preços, abertura comercial e a dolarização da economia.
A última proposta é a mais controversa, sem reservas, a dolarização pode ser bastante desafiadora, mas sabemos que o maior desafio para a manutenção de uma moeda forte é, ao fim e ao cabo, o controle de gastos pelo governo. Os desafios são imensos, Alberto Fernández acelerou todas as medidas populistas para Massa ganhar as eleições, e não é claro se Milei terá apoio do Congresso e do Judiciário para implementar sua agenda de redução do estado.
O governo brasileiro tem ido na direção oposta da proposta por Milei. Eleito com um discurso de salvador da democracia, Lula não cansa de fazer afagos a ditaduras como Venezuela, Cuba, China Irã. Se mostra, no melhor dos casos, indiferente em relação a Rússia e Ucrânia, Israel e Hamas.
Na economia, Lula está turbinando os gastos públicos. As projeções atualizadas do Ministério do Planejamento indicam um rombo fiscal de R$ 177,4 bilhões, tirando a pandemia, o pior resultado desde a estabilização. Como o Banco Central aqui é independente, não conseguiu abaixar os juros na marra e financiar o aumento de gastos com a inflação, mas tem aumentado impostos e dívida.
Nas últimas 4 décadas, o PIB (Produto Interno Bruto) per capita brasileiro cresceu pouco mais de 30%, enquanto o PIB per capita mundial cresceu 125%. Por trás do nosso baixo crescimento está o mesmo problema que empobreceu nosso vizinho: gastos elevados do governo que sufocam a economia e se traduziram na hiperinflação dos anos 80, no aumento dos impostos e do endividamento depois da estabilização. Diante desse cenário, a proposta de Milei de menos estado e mais mercado nos faria muito bem.
Créditos: Gazeta do Povo.