Lugar é cenário e residência de homens e mulheres que faturam com vídeos de sexo na internet. Nesta semana, g1 publica série de reportagens sobre novidades da produção pornô.
Em uma rua tranquila do bairro da Vila Oratório, na Zona Leste de São Paulo, um mercadinho e uma lanchonete de açaí são vizinhos de uma casa grande de muro alto, cujo negócio é outro: o sexo. A maioria dos moradores da região sabe que ali são filmadas cenas eróticas com milhares de visualizações em sites adultos.
“De vez em quando, passam uns meninos na frente da casa gritando nossos nomes”, diz a atriz e criadora de conteúdo Espuleta Maia. “Na feira, somos sempre reconhecidos. É divertido.”
Ela e o marido, Nelson Himeros, administram a Mansão Himeros, como é chamada a casa. O local não serve só de cenário. É também residência de dez criadores de conteúdo +18, que se revezam nas tarefas domésticas e se juntam em frente às câmeras para a gravação de vídeos adultos.
O g1 conheceu o lugar, que tem decoração sóbria e parece uma residência como qualquer outra. É preciso olhar com atenção para reparar os indícios de que se trabalha com sexo por ali: uma almofada em formato de pênis gigante, vibradores, um quarto com instrumentos de BDSM (práticas que envolvem dominação).
Nesta semana, o g1 publica uma série de reportagens para explicar as novidades da produção de conteúdo pornô. Vídeos inspirados no TikTok, influenciadoras que fazem “avaliação de pau”, o lucrativo mercado da “venda de packs” e casas de conteúdo estão entre tendências.
Nelson, que administra a casa, conta:
“Quando eu fechei o contrato para locar esse imóvel, sentei com o proprietário e falei: eu trabalho com isso. Não é um prostíbulo, não tem exploração, não queremos expor ninguém ao nosso trabalho. O bairro inteiro sabe o que a gente faz.”
Fora do mercado erótico, repúblicas de criadores de conteúdo já são comuns, principalmente no meio gamer. Influenciadores, streamers e competidores de esportes eletrônicos se juntam em “gaming houses”, onde moram, treinam e gravam em equipe.
A lei permite esse tipo de acordo, desde que a atividade desempenhada seja lícita, feita por maiores de idade e que não haja relação de emprego entre os moradores e os donos da casa.
Na Mansão Himeros, os residentes pagam aluguéis de até R$ 2.500 (o custo muda a depender do tipo de quarto). Para eles, a maior vantagem é poder usar a estrutura técnica do lugar, com câmeras, iluminação e cômodos preparados para a filmagem das cenas eróticas, que vão lhes render dinheiro em plataformas adultas na internet. A casa também oferece orientação e apoio administrativo aos moradores.
Nelson, idealizador do projeto, é dono da produtora Himeros, especializada em conteúdo +18. Pelo contrato, por oferecer o suporte técnico para as gravações, a empresa também pode comercializar e faturar com os vídeos feitos no lugar. Os acordos de compartilhamento de cenas entre produtoras e criadores são comuns no mercado adulto.
O casal Espuleta Maia e Nelson Himeros administra a Mansão Himeros e participa dos vídeos gravados na casa — Foto: Celso Tavares/g1
Ariane Kimiko, 19, diz que foi morar na mansão porque “queria testar uma vida nova” depois de terminar um relacionamento de três anos. Ela já criava conteúdo adulto e foi atraída pela perspectiva de aumentar a rede de contatos no mercado.
Seu quarto é decorado com elementos fofinhos de desenhos animados, que servem de cenário para o serviço de “camming”. São conversas por vídeo pagas, que geralmente têm conteúdo sexual. “A pessoa me paga para eu conversar ao vivo e eu faço tudo que ela pedir… quer dizer, depende, tem alguns limites.”
O mercado adulto passou por uma revolução nos últimos dez anos, com o crescimento de plataformas como OnlyFans e Privacy. Nelas, criadores podem faturar com transmissões eróticas ao vivo e conteúdo amador, gravado em casa, sem o intermédio de produtoras.
“Nessas plataformas, cada performer virou uma empresa. A pessoa faz tudo: a captação, a edição, a divulgação do vídeo”, explica a produtora e diretora de filmes adultos Mayara Medeiros, fundadora de um grupo de apoio a mulheres que trabalham com sexualidade.
“A quantidade de trabalho aumentou muito, mas ao mesmo tempo é possível ter o controle total do conteúdo e do faturamento dele.”
O sistema adotado na mansão une elementos do novo e do velho pornô. Ele dá autonomia para performers criarem suas rotinas de trabalho e fazerem escolhas criativas, mas com a ajuda técnica, jurídica e administrativa de uma empresa, que também lucra com os conteúdos.
“Pode haver a copropriedade da obra, as relações contratuais permitem esse tipo de amarração”, explica o advogado Carlos Eduardo Ambiel, especialista em Direito do Trabalho, com atuação ligada a influenciadores e competidores de eSports.
“Esse modelo [da copropriedade] é o que mais está sendo usado hoje em dia no mercado”, diz Mayara. Para ela, receber apoio burocrático é uma vantagem para os moradores da mansão.
“Tem muita gente jovem produzindo conteúdo adulto, que não se preocupa tanto com contratos e com implicações burocráticas, até jurídicas. Ter alguém mais preocupado com essa parte administrativa é interessante, especialmente para quem está começando.”
Como é a rotina na casa?
Entre os dez moradores, há apenas três homens — além de Nelson Himeros, outros dois produzem conteúdo com as namoradas. O dono da Mansão Himeros justifica:
“Se o homem não tem uma parceira e quer entrar para a venda de conteúdo heterossexual, é preciso um filtro muito mais delicado, porque muitos só querem transar, não estão interessados numa carreira.”
O foco do projeto são criadoras mulheres, em início de carreira. O empresário diz que um dos objetivos é “instruir as criadoras para que elas se profissionalizem no mercado”.
“É ensinado o posicionamento de câmera, estratégias de marketing, como lidar com o cliente. Existe uma ideia de que o cliente tem sempre razão, mas no entretenimento adulto não é assim”, afirma Lady Milf, atriz e mentora para as residentes da mansão.
Para o trabalho na casa ser regular, “os moradores têm que ter autonomia de fazer as coisas como querem e na hora que querem, não podem receber ordens, não podem ter relação de emprego”, explica o advogado trabalhista Carlos Ambiel.
Os administradores dizem que uma agenda de gravações é organizada de segunda a sexta-feira, mas os residentes não são obrigados a participar, e têm liberdade para criar suas próprias rotinas.
Eles são testados semanalmente para infecções sexualmente transmissíveis (IST, termo adotado hoje pelo Ministério da Saúde no lugar de doenças sexualmente transmissíveis – DST) e o uso de camisinha é obrigatório.
No site adulto Pornhub, o canal da produtora dona do projeto tem mais de 2 milhões de visualizações. A maioria dos vídeos reproduz situações eróticas fictícias, com os moradores da casa atuando juntos ou separados.
Mas, para além das cenas roteirizadas, tudo pode virar um conteúdo adulto na mansão: do exercício físico em grupo com pouca roupa ao churrasco de domingo entre amigos. As festas são comuns no lugar e, muitas vezes, têm convidados, que também topam participar das gravações.
Mas nem tudo é pegação. Por trás da aparente libertinagem de uma república pornô, há um mercado difícil, em que o dinheiro pode não vir tão fácil quanto se imagina.
“Muita gente entra nesse meio achando que vai ser suruba, pegação, bebida e droga o tempo todo. Em alguns casos, são pessoas do ‘swing’, que só querem se divertir e ganhar dinheiro com isso”, diz Lady Milf. “Logo elas percebem que não é essa festa que parece e acabam indo embora.”