Em uma arte postada em perfis que seriam de milicianos nas redes sociais, segundo a polícia, está a escada icônica de Scarface (1983), filme de Brian de Palma que retrata a violência da máfia. Nela estão três homens: um com fuzil, outro com charuto e cordão de ouro, e o terceiro com um maço de dinheiro. E a frase ‘Família Braga: se entregar jamais’. As informações são da Folha de SP.
Segundo investigadores, trata-se de uma homenagem aos irmãos Braga: Wellington da Silva Braga, o Ecko, Carlos da Silva Braga, o CL ou Carlinhos Três Pontes, e Luís Antônio da Silva Braga, o Zinho, que se sucederam no comando da maior milícia do Rio de Janeiro na última década. Das 833 áreas listadas pela Polícia Civil como sendo de influência da milícia, 812 tem influência do grupo.
A advogada Leonella Vieria nega as acusações em relação a Zinho, apontado como chefe atual após a morte dos irmãos. Ela afirma que as denúncias “repousam em mera construção dedutiva do Ministério Púbico deste estado [RJ], o qual fundamenta uma presunção de envolvimento devido ao laço de consanguinidade que unia o mesmo aos conjecturados líderes anteriores”.
CL uniu o tráfico e a milícia a partir de 2010, segundo a Promotoria, e era conhecido por utilizar cordões de ouro e fumar charutos cubanos, tal qual Tony Montana, personagem de Al Pacino em Scarface, disse um policial. O líder miliciano foi morto em 2017 em uma ação da polícia.
Com a morte de CL, o comando da milícia passou, segundo a polícia, para a liderança do irmão, Ecko.
“Em uma operação na favela do Aço, zona oeste, encontramos vários quadros do Poderoso Chefão na sala de reunião que ele utilizava. Era como ele queria ser visto, como um capo do crime”, disse o delegado Alexandre Herdy.
Ecko foi morto em 2021 ao visitar a namorada. Ele costumava usar uma farda de oficial da Polícia Militar, embora nunca tenha pertencido à corporação.
Zinho então assumiu a chefia, segundo as investigações. Até então ele era o responsável por lavar dinheiro obtido com extorsões e chegou a ser acusado de usar uma empresa de terraplanagem para isso, mas foi absolvido na Justiça. É o líder miliciano mais procurado atualmente.
É atribuída a ele a ordem dos ataques que incendiaram 35 ônibus e um trem na zona oeste do Rio, na última segunda (23), após a morte do sobrinho, Matheus Rezende, o Faustão, em uma ação policial.
“O recado que o Zinho está dando é nítido. Ele diz que quem manda aqui, nessa amplitude toda, nessa extensão urbana toda é ele”, disse o sociólogo José Cláudio Souza.
Zinho já foi preso por porte ilegal de arma e associação criminosa, mas foi solto. A Promotoria estima que ele arrecade de R$ 5 milhões a R$ 10 milhões por mês para a quadrilha.
Ele foi preso por policiais civis em outra ocasião, mas acabou solto após pagar R$ 20 mil de propina, ainda de acordo com a Promotoria. Segundo a denúncia à Justiça, um policial, ao saber da prisão, teria ido até Ecko pedir desculpas pelo engano e devolver o dinheiro.
“Já realizamos várias operações contra essa quadrilha, que é gerida por uma família. Por conta disso, chamamos as denúncias de Dinastia”, disse o promotor Fábio Corrêa, coordenador do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado).
A milícia hoje chamada de CL surgiu na década passada quando Carlinhos Três Pontes se aproximou de Toni Ângelo, de acordo com um ex-miliciano ouvido pela reportagem.
Toni era um dos chefes da Liga da Justiça, milícia que surgiu em 2004 em Campo Grande ao unir políticos e policiais. Antes, era soldado da Polícia Militar e, em 2009, desertou ao ser acusado de crimes como homicídio, formação de quadrilha e extorsão.
Segundo esse ex-integrante da quadrilha, Toni queria a expansão da milícia para Três Pontes, em Santa Cruz, comunidade então dominada pelo tráfico e que tinha Carlinhos como integrante. Ainda segundo a versão do ex-miliciano, ele presenciou o momento em que Carlinhos teria sido raptado em um carro da milícia e colocado no porta-malas. Mas teria sido poupado da morte ao dizer a Toni que ele tinha o nome de um mafioso, que admirava o grupo e queria entrar para a milícia.
Ainda de acordo com o ex-miliciano ouvido pela reportagem, Toni, após ser preso, nomeou Carlinhos Três Pontes como líder, o que não teria sido aceito por outro integrante da quadrilha, o ex-PM Ricardo Teixeira Cruz, o Batman, cujo símbolo do morcego era a referência da Liga. Toni e Batman continuam presos e à Justiça negaram que façam parte da milícia.
Ao assumir, Carlinhos mudou o nome da Liga para Milícia do CL (suas iniciais). Em 2017 ele foi cercado pela polícia e, segundo os agentes, não quis se entregar. Entrou em luta com o delegado Fábio Salvadoretti e acabou baleado no peito e morto.
Ecko então herdou a liderança da milícia, segundo a investigação. Na sua gestão foram estreitados ainda mais os laços entre milicianos e traficantes, como o Terceiro Comando Puro.
Ele foi morto dentro de uma van da Polícia Civil, quando já havia sido ferido por um disparo no momento da abordagem. Segundo os policiais, ele foi baleado pela primeira vez ao ser preso, ao reagir, e depois quando tentou puxar o fuzil de uma policial que fazia sua escolta dentro do veículo, segundo a polícia.
A Folha apurou que a reação de criminosos na segunda ocorreu para dar fuga a Zinho, que estaria próximo. No rádio apreendido com o miliciano, a gentes teriam ouvido também o alerta para que o “01” fosse protegido.
Zinho estaria, segundo a polícia, preparando o sobrinho Faustão para assumir a milícia. Sua defesa, nega. “A sociedade precisa se questionar porque quando se trata de integrantes da família Braga, o alto escalão da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro não efetua prisões, apenas execuções”, disse Leonella.
A família conta com um quarto irmão, o Batata. Ele foi preso em 2021 por organização criminosa e, segundo a polícia, fez ameaças em nome da milícia no momento da prisão.
Na época, ao ser classificado como preso de alta periculosidade, cogitou-se a transferência de Batata para um presídio federal. No entanto, de acordo com a advogada Leonella, ele foi absolvido e está em liberdade desde setembro de 2021. “Ele não tem nenhum envolvimento com a milícia”, disse a defensora, que atuou no processo.
Folha de SP