A Polícia Federal apreendeu bancos de dados na Abin (Agência Brasileira de Inteligência) em que estão nomes da lista de fontes humanas (informantes) e de operações secretas ainda em andamento, segundo relatos de oficiais de inteligência feitos à Folha.
A sede da agência foi alvo de busca e apreensão na última sexta (20) em operação da PF para avançar na apuração sobre o uso ilegal de um programa de monitoramento da localização de celulares contra jornalistas, juízes e adversários políticos durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).
De acordo os oficiais de inteligência, os dados acessados pela PF não têm relação com o uso do software FirstMile e uma possível divulgação colocaria em risco a soberania nacional, a segurança de informantes e de servidores da agência.
A PF foi procurada, mas não se manifestou. Fontes da investigação afirmam, no entanto, que todo material apreendido será analisado e que informações sigilosas terão o sigilo mantido.
Segundo essas fontes, a busca na Abin era importante para apreender pastas que tiveram dados apagados por oficiais de inteligência, nas quais podem estar informações de pessoas monitoradas ilegalmente.
Durante as buscas na sede da Abin, a PF levou os computadores de todos os suspeitos, incluindo as máquinas usadas pelo então número 3 da agência, Paulo Maurício Fortunato, e arquivos encontrados nos servidores.
A Abin não respondeu aos questionamentos da Folha sobre quais dados foram acessados.
Na última quarta (25), em audiência da Comissão de Controle das Atividades de Inteligência do Congresso, o diretor-geral da Abin, Luiz Fernando Corrêa, abordou em sua apresentação o receio da Abin com o acesso da PF aos dados e possível vazamento das informações —ele não citou diretamente os dados apreendidos.
Segundo ele, caso esses dados sejam acessados ou vazados há possibilidade “danos à segurança e aos interesses nacionais”, “prejuízo às relações diplomáticas do Brasil”, “perda de confiança de serviços de inteligência estrangeiros”, “revelação de meios e capacidades operacionais e analíticas” e “comprometimento de trabalhos de análise e obtenção de informações em curso”.
Um dos pontos destacados por oficiais de inteligência é que a lista de fontes humanas da Abin, caso seja revelada, pode colocar em risco colaboradores e servidores da agência.
Assim como todos os serviços de inteligência, a Abin recruta, mediante pagamento ou não, informantes em diversas áreas para conseguir informações de interesse nacional.
Ao acessar esses dados, a PF, segundo relatos de servidores da Abin, ataca em cheio o cerne do trabalho de inteligência e coloca em risco anos de atuação da agência para amealhar fontes de informação.
Os oficiais citam também o estrago que o acesso e vazamento desses dados pode causar em trabalhos em andamento.
Uma fonte humana que esteja atuando para angariar informações sobre espiões estrangeiros ou terroristas no país, por exemplo, poderá encerrar a atuação e comprometer o resultado da operação de inteligência.
O reflexo na relação da Abin com agência de inteligência de outros países também tem sido citado para criticar a apreensão dos dados sigilosos pela PF.
Um oficial relatou que é praxe a troca de informações, e o vazamento de detalhes dessa relação pode fazer com que as agências estrangeiras interrompam a cooperação com o Brasil.
O acesso aos dados secretos da Abin aumentou ainda mais o clima de descontentamento na agência com a cúpula da PF.
Como mostrou a Folha, a operação da semana passada, chamada de Última Milha, reforçou a disputa de bastidores entre as cúpulas das duas instituições, expondo um mal-estar que se arrasta há meses.
Além da Abin, a operação passou a mirar as Forças Armadas e vai investigar o Exército pelo uso e compra de softwares de inteligência custeados com dinheiro do Gabinete de Intervenção Federal no Rio de Janeiro, então chefiado pelo general Walter Braga Netto, ex-ministro de Bolsonaro.
Durante as buscas na operação, a PF apreendeu a base de dados do software na sede da empresa que o comercializa no Brasil, a Cognyte, em Santa Catarina. Além das informações sobre o uso do programa por parte da Abin, a polícia também arrecadou informações sobre a utilização pelo Exército.
Segundo pessoas que conhecem o caso disseram à Folha, é preciso averiguar se houve uso irregular da ferramenta pelo Exército, assim como apontam ter havido em relação à agência de inteligência.
A compra do software já estava na mira dos investigadores da Operação Perfídia, deflagrada pela PF no Rio de Janeiro e que apura irregularidades em contratos da gestão de Braga Netto na Intervenção Federal realizada em 2018. Após a ação da PF na Abin e na empresa da que vende o FirstMile, o caso também entrou na mira dos inquéritos relatados por Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.
A investigação que mira o Exército deve ficar dividida entre as equipes da PF na capital federal (com foco no possível uso irregular da ferramenta) e no Rio (que mira irregularidades na compra com dinheiro da Intervenção Federal).
Em nota, o Exército disse que “quaisquer esclarecimentos solicitados pela Polícia Federal sobre o software em questão serão prestados exclusivamente aquele órgão.”
Crédtos: Folha de S. Paulo.