As indefinições sobre como ficará o ensino médio a partir do próximo ano têm dado um nó na cabeça de coordenadores pedagógicos, professores, estudantes e suas famílias. Diante da demora do governo Lula (PT) para definir as mudanças nessa etapa de ensino, as escolas particulares estão se virando no planejamento de 2024.
Para piorar, também há dúvidas sobre o que acontecerá com o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), principal porta de entrada para o ensino superior.
O problema é que os cenários possíveis não são poucos, e cada escola lida com a indefinição de uma maneira. Algumas preferem deixar tudo como está e só começar a pensar em mudanças a partir do momento em que a lei mudar. Outras tentam formatar o currículo apostando nas alterações que consideram as mais prováveis. E o planejamento vira um jogo de xadrez, uma equação para lá de indeterminada.
Aprovado pelo governo de Michel Temer (MDB) em 2017, o novo ensino médio entrou em vigor, sob Jair Bolsonaro (PL), em 2022, com 1.800 horas para formação básica (matérias regulares como matemática, português etc) e 1.200 horas para itinerários formativos (o aluno escolhe uma área em que quer se aprofundar; não há limites de criação de itinerários pelas escolas).
O governo Lula, mobilizado por críticas de professores e estudantes, revogou o calendário de implementação do novo ensino médio e preparou um projeto de lei que aumenta a carga horária das matérias regulares para 2.400 (como era antes do novo ensino médio) e limita o número de itinerários (deverá ser dois ou três).
Esse projeto de lei será encaminhado ao Congresso para ser votado. Mas há uma série de incertezas sobre quando essas mudanças vão entrar em vigor.
Na semana passada, o ministro da Educação, Camilo Santana, chegou a afirmar que nada mudará em 2024 no currículo e que o Enem só seria alterado em 2025 —o exame ainda está nos moldes do ensino médio velho, sem levar em conta os novos itinerários.
Depois, porém, recuou e disse que “se as escolas e as redes de ensino conseguirem fazer mudanças a tempo, elas podem fazer [já no ano que vem]”.
“Essa insegurança sobre o modelo é desconfortável”, disse à Folha Antônio Eugênio Cunha, presidente da Federação Nacional de Escolas Particulares (Fenep). “Estamos orientando as escolas a dar continuidade a seus projetos pedagógicos até que a lei seja alterada”, afirmou. “Quando houver uma definição, mesmo que seja em cima da hora, lá por novembro, as escolas particulares vão dar um jeito de se adaptar rapidamente, o que é mais difícil para as públicas, e isso só aumenta o abismo na educação.”
Coordenador pedagógico do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, Adenilson Bezerra, concorda. “O colégio está atento às mudanças que o MEC definirá e tem todas as condições de se reorganizar caso elas sejam já para 2024.”
O Liceu cogita operar com dois currículos diferentes: um novo, já com alterações do MEC, para o 1º ano de 2024, e o que está em vigor atualmente para o 2º e 3º anos.
Mas há escolas que planejam ajustar todas as séries, como o Pioneiro. “Para o 1º ano, vamos seguir as novas orientações. No caso do 2º e do 3º, precisaremos considerar a carga horária já realizada para matérias da formação básica e dos itinerários e fazer os ajustes necessários em 2024”, explicou a coordenadora pedagógica, Selma Alfonsi.
Diretora-geral do Rio Branco, Esther Carvalho ressalta que é importante definir se as mudanças vão se aplicar às turmas que já estão cursando o novo ensino médio. O colégio tem feito as alterações curriculares de forma gradual e há disponibilidade para fazer “os ajustes que se fizerem necessários para que os alunos estejam preparados e sejam bem-sucedidos nos vestibulares”.
Carvalho diz que as dificuldades de planejamento são inúmeras, especialmente diante das incertezas em relação ao Enem. “Todas essas indefinições geram insegurança nos alunos, nas famílias e nos professores. Estamos falando de um contexto privilegiado, com toda a infraestrutura.”
A depender do currículo de cada escola, que estão bem diferentes uns dos outros desde 2022, com a implementação do novo ensino médio, as adequações podem ser mais fáceis.
“Nossa opção foi trabalhar por módulos e, com isso, temos flexibilidade para colocar ou retirar uma parte dos itinerários”, explica Marina Nunes, diretora do ensino médio do Santa Cruz. Em cada semestre, as aulas da formação básica são interrompidas por duas semanas para que os alunos entrem nos itinerários.
Esse trabalho é feito com os mesmos professores das matérias regulares. Se for preciso reduzir os itinerários, basta os docentes seguirem com as matérias regulares nas duas semanas.
Escolas que optaram por manter o 1º ano com carga maior para as matérias da formação básica e deixaram os itinerários mais para o 2º e o 3º anos devem se readequar com mais facilidade. É o caso da Escola Nossa Senhora das Graças, mais conhecida como Gracinha.
“No 1º ano, a carga horária de formação básica é bem maior do que a dos itinerários para que os alunos tenham aulas diversas antes de escolher em que área se aprofundar”, conta o orientador pedagógico do ensino médio, Paulo Rota.
Em algumas escolas, a opção tem sido seguir adiante com o novo ensino médio no planejamento de 2024, diante da demora na definição das mudanças. “Não existe planejamento escolar em outubro, novembro. O ideal é que tenhamos pelo menos um ano de antecedência para um ajuste maior de percurso”, diz Maria Eduarda Sawaya, presidente da Associação Brasileira de Escolas Particulares (Abepar), que reúne colégios paulistanos de elite, como Bandeirantes, Santa Cruz, Magno e Beacon.
No Magno, a equipe pedagógica discute possíveis cenários, mas considera que, para 2024, só haveria tempo para pequenos ajustes, não para grandes alterações. “Não fazemos mudanças abruptas, educação não funciona assim”, diz a diretora, Claudia Tricate. “Não podemos ficar ao sabor das mudanças”, critica.
Coordenador pedagógico da Carandá Educação, André Meller vai na mesma linha. “São alterações que demandam um tempo significativo para serem discutidas e implementadas. Não é viável que sejam decididas em novembro/dezembro para implementação no ano letivo seguinte.”
Justamente por isso, o Equipe definiu que, em 2024, todas as turmas terão o currículo atualmente em vigor, do novo ensino médio.
Fonte: Folha de São Paulo.