Empreiteiras envolvidas na Operação Lava Jato voltaram a brigar contra punições do Tribunal de Contas da União (TCU) no Supremo Tribunal Federal (STF). Punidas com inidoneidade, as empresas não podem ser contratadas pelo Poder Público.
Em um dos casos, o TCU é acusado de desrespeitar uma decisão do próprio Supremo que impediu que empresas que fizeram acordos de leniência sejam punidas com inidoneidade. Outro diz respeito a uma empreiteira que não fez um acordo, mas se diz vítima de “graves prejuízos” em razão da “arbitrariedade” do TCU.
A UTC Engenharia, que firmou um acordo de leniência de R$ 574 milhões e confessou fazer parte do “clube vip” de empreiteiras do cartel da Petrobras, foi condenada pelo TCU em um processo sobre fraudes na implantação da Refinaria Abreu e Lima, em Ipojuca, em Pernambuco, conhecida como Refinaria do Nordeste, ou Rnest.
Desrespeito ao STF
A empresa foi acusada de apresentar “propostas de cobertura” para outras empreiteiras do “clube” vencerem a licitação. No processo, foram usados relatos de outros delatores. Os ministros do TCU consideraram que o acordo de leniência da empreiteira não trouxe novos elementos para a apuração, e não poderia livrá-la da punição.
A empreiteira afirma ao STF que não pode ser punida por condutas que ela mesma revelou em seu acordo de leniência, e que as provas que levaram à sanção pelo TCU são apenas dos acordos de colaboração premiada de ex-executivos da empresa, que são tidos apenas como meio de obtenção de provas, mas não podem ser usados de maneira isolada para obter condenações.
A UTC lembra, ainda, de um julgamento do próprio STF que proibiu o TCU de punir as empreiteiras para além das sanções previstas em seus acordos de leniência e diz que a decisão está sendo desrespeitada.
O caso ainda não foi julgado. Em maus lençóis desde a Lava Jato, a empresa está em processo de recuperação judicial.
“Sanha punitivista”
Já a Iesa Óleo e Gás, que não firmou acordo de leniência, fez um novo pedido ao STF para que anule sua condenação, também em um processo sobre a Refinaria Abreu e Lima. A pena foi de cinco anos de inidoneidade.
A empresa afirma que o TCU não considerou a prescrição do processo, já que foi condenada por fatos de 2009, que o tribunal invadiu a competência do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para julgar práticas de cartel, e que a Corte sequer individualizou sua conduta no processo. Disse ainda que as provas vêm de colaborações e provas “emprestadas de outro processo”.
No STF, a Iesa é defendida pelo ex-deputado João Paulo Cunha (PT), que foi condenado no escândalo do mensalão, e por bancas graúdas, como o escritório de Sérgio Bermudes. O petista, que assina o pedido da Iesa, sobe o tom e afirma que a empresa respondeu “à sanha punitivista da força-terefa da Lava Jato”.
“A declaração de inidoneidade por cinco anos, e seus graves reflexos na capacidade de operação e transação de uma sociedade, além de não responder proporcionalmente às acusações que, à vero, sequer subsistem, dão comprovação fática àquilo que disse o eminente ministro Dias Toffoli: “[a] Lava Jato destruiu empresas””, argumenta.
A Iesa vem brigando contra esta condenação há anos. Nesta nova petição ao STF, diz ter sofrido um novo prejuízo em razão da desclassificação de um consórcio da qual fez parte para disputar um contrato por obras das unidades de processamento de gás natural do Polo Gaslub, em Itaboraí, no Rio, ligado à Petrobras.
A empresa argumenta, ainda, que propôs R$ 597 milhões enquanto a proposta vencedora foi de R$ 688 milhões. “É dizer: aos cofres públicos, a aplicação da penalidade já custou quase cem milhões de reais”, diz a Iesa. A empresa se diz vítima de um “grave prejuízo” e pede a liminar ao STF para evitar um cenário ainda mais “desastroso”.
Acordos de leniência e o TCU
Ao longo dos últimos anos, o TCU tem ganhado cada vez mais poder sobre acordos de leniência. Neste ano, por iniciativa do presidente da Corte, Bruno Dantas, foi criada a Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos, que têm competência para atuar nos acordos.
A Secretaria têm compartilhado com a Controladoria-Geral da União (CGU) e a Advocacia-Geral da União (AGU) informações sobre processos pelos quais empresas que estão negociando acordos de leniência respondem na Corte. Esta foi a saída encontrada para alinhar o TCU aos órgãos competentes para negociar os acordos, principalmente no que diz respeito aos valores das multas.
Em um passado recente, os acordos de leniência foram motivo de uma disputa de poder entre Bruno Dantas e procuradores da Lava Jato. Em 2017, o ministro afirmou que as punições previstas nos acordos eram apenas um “aperitivo da refeição completa”.
Também entrou em embate com o então juiz da Lava Jato e atual senador Sérgio Moro (União-PR) para poder usar as provas de colaboradores para aplicar sanções e multas no âmbito do TCU.
A intenção de punir essas empresas para além daquilo que foi estabelecido pelo acordo acabou sendo derrotada em um julgamento do STF.
Multa por obras
Dantas chegou a encampar, junto ao governo Lula, a ideia de abrir às empreiteiras para que paguem parte do restante de suas multas com obras públicas. A proposta alcançaria R$ 1,3 bilhão do total de R$ 10 bilhões que as empresas lenientes teriam ainda a pagar, já que os acordos prevêem que parte seja destinada ao próprio MPF, a CGU, e entes e estatais lesados pelos crimes confessados. Ainda não há desfecho dessa tratativa.
Em uma nova investida recente sobre os acordos de leniência firmados, o TCU proibiu que o Ministério Público tenha ingerência sobre valores de multas nestas e em outras modalidades de acordos. O julgamento foi repleto de críticas à “falta de transparência” desses recursos em acordos da Lava Jato.
A decisão da Corte impõe aos órgãos negociadores que valores sempre vão para o Fundo de Direitos Difusos, que têm representantes do governo como ocupantes da maior parte de suas cadeiras nos conselhos. Há o fundo federal, criado nos anos 1980, e os fundos estaduais.
Crítico dos acordos da Lava Jato, o presidente do TCU tem se colocado como candidato ao STF, em uma concorrência com o advogado-geral da União, Jorge Messias, e o ministro da Justiça, Flavio Dino. O último escolhido por Lula foi Cristiano Zanin, que defendeu o petista na Lava Jato.
Créditos: Metrópoles.