Favorito para a vaga aberta no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro da Justiça, Flávio Dino, enviou ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania um parecer favorável à recriação da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. A retomada do grupo enfrenta resistência nas Forças Armadas.
Criada em 1995 no governo Fernando Henrique Cardoso, a comissão foi extinta por Jair Bolsonaro a 15 dias do fim de sua gestão. Na época, o fim do grupo foi aprovado por 4 a 3, com o apoio de todos os membros indicados pelo ex-chefe do Executivo.
“A área de mérito está de acordo com a anulação ou revogação do despacho do presidente da República (Jair Bolsonaro) de 30 de dezembro de 2022, entendendo que ‘os motivos que fundamentaram a extinção da comissão não encontram correspondência na realidade dos fatos’”, observa o parecer da consultoria jurídica do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
A comissão foi criada com o objetivo de reconhecer casos de pessoas desaparecidas em função de sua participação política no regime militar. Entre suas atribuições estavam emitir pareceres sobre indenizações a familiares e mobilizar esforços para localizar os restos mortais das vítimas.
Conforme informou a coluna, o retorno da comissão preocupa o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, que vem tentando distensionar as relações do governo Lula com as Forças Armadas, mas avalia reservadamente que o grupo tem potencial para causar ruídos com a caserna.
No parecer, o Ministério da Justiça sustenta que “não haverá impactos negativos” com a retomada do grupo, “já que se trata de política que vem sendo implementada desde 1995”.
Em nota técnica mencionada no parecer, a Secretaria de Acesso à Justiça do ministério alega que a comissão “ainda não concluiu sua missão legal”. Também diz que sua extinção, por parte do governo Bolsonaro, “não considerou a existência de outras atividades ainda em curso, de ações judiciais em andamento, bem como da necessidade de atender plenamente ao relatório de 2014 da Comissão Nacional da Verdade”.
No relatório final, a comissão defendeu o “prosseguimento e a intensificação” das atividades voltadas para a localização, identificação e entrega dos restos mortais dos desaparecidos políticos.
O documento listou 191 mortos e 243 desaparecidos políticos por conta do regime militar e responsabilizou 377 pessoa pela prática de tortura e assassinatos, entre elas todos os presidentes militares do regime, de Castello Branco a João Figueiredo.
O general Eduardo Villas Boas, que foi comandante do Exército e depois se tornou assessor especial de Jair Bolsonaro, disse em seu livro-depoimento que a Comissão da Verdade tinha “um claro viés revanchista”, o que teria criado nos militares uma espécie de “revanchismo ao contrário”.
Segundo a equipe da coluna apurou, o principal objetivo da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos será retomar a identificação de ossadas encontradas na Vala Clandestina de Perus, na zona oeste de São Paulo, local usado pelos militares para esconder o corpo de opositores do regime.
Atualmente, o Centro de Antropologia e Arqueologia Forense da Unifesp está com 1.049 caixas com ossadas encontradas na região, descoberta em 1990.
O parecer enviado por Dino ao ministro Silvio Almeida pode ajudar a destravar a recriação do grupo – mas, para isso, ainda é necessário um parecer da Defesa.
A retomada da comissão depende de decreto a ser assinado por Lula. Durante café da manhã com jornalistas, em abril, Lula disse que tem “saber o que diz concretamente o decreto” e que só vai assiná-lo se o texto “tiver consistência”.
Procurados pessoalmente pela equipe da coluna ao longo das últimas semanas, Rui Costa (Casa Civil) e Múcio (Defesa) garantiram que a comissão vai, sim, sair do papel.
Fonte: O Globo.