Na última terça-feira (26), um escritor russo falecido em 1910 foi apontado como pivô do divórcio de Sandy e Lucas Lima: Liev Tolstói, autor de “A morte de Ivan Ilitch”, novela publicada em 1886. Os apresentadores do programa “Fofocalizando”, do SBT, lembraram que, no início do mês, Lucas postara nas redes sociais que havia lido o livrinho de Tolstói. “Que livro forte”, escreveu o músico. “Deu uma chacoalhada legal no Lucão. Recomendo.”
A jornalista Chris Flores especulou que post talvez indicasse que Sandy e Lucas já estavam no processo de divórcio e destacou o seguinte trecho escrito pelo músico: “Texto muito direto, sólido, sem firula nem carinho. Verdade sem desvios. Baita reflexão sobre a vida, sobre escolhas e os porquês destas”. Já o jornalista Gabriel Cartolano, também do “Fofocalizando”, chamou atenção para uma frase da novela de Tolstói destacada por Lucas: “Talvez eu não tenha vivido como deveria, ocorreu-me de repente; mas como se sempre fiz o que deveria fazer?”. As redes sociais, é óbvio, compraram a teoria e o livro de Tolstói viralizou.
De fato, a novela é narrada sobre um homem em crise. Tolstói começou a escrever “A morte de Ivan Ilitch’ após uma profunda crise de fé, que o levou a cogitar o suicídio (experiência que ele narra em um texto autobiográfico, “Uma confissão”). Na novela, considerada uma de suas obras mais sublimes, o autor dá um tratamento ficcional às questões que quase o levaram a acabar com a própria vida. Ivan Ilitch é um juiz de meia-idade cuja saúde degringola depois de uma queda. Desenganado pelos médicos, torna-se um estorvo para a família e os amigos, que se afastam dele quando a morte se aproxima.
Acamado e sofrendo dores atrozes, o juiz se dá conta de que levou uma vida sem sentido, mas consegue encarar a morte com serenidade ao observar a fé de Guerássim, um mujique que trabalha em sua casa e cuida, sem repulsa, do patrão moribundo. “É a vontade de Deus. Para lá iremos todos”, diz o mujique. Ivan Ilitch descobre, na fé dos russos mais rústicos, um antídoto para a hipocrisia e a banalidade.
A crise conjugal não é o centro de “A morte de Ivan Ilich”, mas Tolstói entendia do assunto e escreveu um bocado sobre problemas matrimoniais. Ele vivia em pé de guerra com a mulher, Sófia Tolstaia, que se opunha que o escritor, que havia se convertido em uma espécie de profeta, crítico da hipocrisia das elites e admirador da simplicidade da vida camponesa, abrisse mão dos polpudos direitos autorais de sua obra.
O casal brigava tanto que, quando Tolstói publicou outra novela, “Sonata Kreutzer”, em 1889, Sófia escreveu em seu diário: “Sinto em meu coração que esta novela foi dirigida a mim, que ela imediatamente me infligiu uma ferida, humilhou-me aos olhos de todo o mundo e destruiu o último amor entre nós”.
“Sonata Kreutzer” é um o relato de um feminicídio e uma condenação da sensualidade. Pódznychev, o narrador, confessa ter assassinado a mulher instigado pela “fera hidrófoba do ciúme”: suspeitava que ela o traísse com um violonista. E expõe teorias sobre o amor (“algo torpe, porco”) e o sexo que, à primeira vista, lembram as do próprio Tolstói: “A paixão sexual, seja como estiver apresentada, é um mal, um mal terrível, contra a qual é preciso lutar”. Pódznychev descreve sua vida conjugal como “inferno”: o apaixonamento esgotou-se rapidamente e as brigas só cessavam quando a libido falava mais alto. Engalfinhavam-se para depois fazer as pazes na cama. “99% dos cônjuges vivem no mesmo inferno que eu vivia”, diz ele.
“Não sei como e por que ligaram ‘Sonata Kreutzer’ à nossa vida conjugal, porém isso é um fato”, disse Sófia no diário. As coincidências vão além do ciúme de Tolstói e de suas tentativas frustradas de abandonar o sexo. Pódznychev vivera uma juventude dissoluta (como o autor). Anotara aventuras sexuais em diário que deu à noiva para ler antes do casamento. Tolstói fizera o mesmo. Além disso, autor e personagem recorriam a palavras negativas para descrever sua lua de mel: “Desconfortável”, “vergonhoso.”
Sófia decidiu rebater o marido e escreveu a novela “De quem é a culpa?” (publicada recentemente no Brasil pela Carambaia), do ponto de vista de Anna, jovem que sonhava com “a pureza do primeiro amor”, mas se casa com um nobre quase 20 mais velho (como a autora fizera) e se decepciona com a vida conjugal.
Pois é, quando escreveu, na abertura de “Anna Kariênina”, que “todas as famílias felizes são parecidas, mas cada uma é infeliz a seu próprio modo”, Tolstói sabia do que estava falando.
Créditos: Globo.