O procedimento foi aberto na corregedoria-geral do Ministério Público Federal, vinculada à Procuradoria-Geral da República comandada por Augusto Aras e por determinação de Ricardo Lewandowski.
O objetivo era investigar a suspeita de que os procuradores da Lava-Jato de Curitiba estivessem omitindo do Supremo documentos sobre as tratativas que levaram ao fechamento do acordo de leniência com a Odebrecht – justamente o argumento que baseia a decisão tomada hoje por Toffoli.
Lewandowski, no curso da apuração, voltou a intimar a corregedoria-geral a prestar esclarecimentos sobre o caso com base nos diálogos da Vaza-Jato, como ficou conhecido o escândalo das mensagens captadas pelo hacker Walter Delgatti e divulgadas pelo site Intercept Brasil, no âmbito da Operação Spoofing.
Nos diálogos pelo aplicativo Telegram, os procuradores da República mencionam conversas com integrantes do FBI e da Embaixada dos Estados Unidos sobre informações das investigações. Lewandowski queria saber, ainda, como o Departamento de Justiça dos Estados Unidos e da Promotoria-Geral da Suíça, e instituições como a Transparência Internacional.
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A sindicância foi aberta em novembro de 2020 e arquivada em definitivo em agosto de 2021.
De acordo com o relatório final assinado pela corregedora-geral Elizeta Ramos – que pode vir a ser interina na PGR caso Lula não escolha o substituto de Aras até o final de setembro –, não foi encontrada “qualquer conduta configuradora de violação de dever funcional pelos membros integrantes da Força-Tarefa da Lava-Jato em Curitiba, os quais comprovaram o exercício de suas atribuições institucionais em sintonia com o postulado da legalidade”.
Segundo as investigações conduzidas pela sub-corregedora na época, Raquel Branquinho, “não há nenhum indicativo” de que os membros da Lava-Jato tenham produzido informes, documentos ou algum tipo de registro de comunicação, negociação ou tratativa com outros países e que, de alguma forma, tenham suprimido ou sonegado esses registros da autoridade judiciária brasileira competente ou das demais partes interessadas”.
Num dos diálogos da Vaza-Jato reproduzidos por Lewandowski e Dias Toffoli em suas decisões relativas à leniência da Odebrecht, os procuradores comentam os contatos com o FBI e um deles diz que “o canal com o FBI é com certeza muito mais direto do que o canal da embaixada. O FBI tb [também] já tem conhecimento total das investigações, enquanto a embaixada não teria. De minha parte acho útil manter os dois canais”.
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Esse tipo de citação foi interpretada pela defesa de Lula, então exercida pelo advogado Cristiano Zanin, hoje ministro do STF, como uma ilegalidade. Lewandowski e Toffoli incorporaram o argumento em suas decisões.
Mas a corregedoria acatou e endossou o argumento dos procuradores, que admitiram contatos “informais” com autoridades estrangeiras, mas afirmaram que os acordos internacionais que regulamentam a interação entre órgãos de inteligência dos países em investigações de crimes transnacionais, que há obrigação de registro ou documentação destes diálogos institucionais.
Eles também alegaram que intercâmbios informais com autoridades estrangeiras têm respaldo de instituições internacionais e se deram por ligações telefônicas e mensagens de aplicativo, mas nunca por e-mail.
Em seu relatório final, a corregedoria concluiu que houve, sim, no caso “o cumprimento da legislação interna e integrada ao ordenamento jurídico brasileiro por tratados e acordos internacionais sobre o tema. E cita: a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, o regulamento do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional do Ministério da Justiça e regramentos da Advocacia-Geral da União, do Banco Mundial e do Grupo de Ação Financeira Internacional (Gafi), ligado ao G7.
Foram colhidos os depoimentos dos procuradores Deltan Dallagnol, Paulo Roberto Galvão e Orlando Martello Júnior, do MPF de Curitiba, e de Vladimir Aras e Daniel de Resende Salgado, que ocupavam cargos na Procuradoria-Geral da República ligados à cooperação internacional e à perícia na ocasião em que o acordo da Odebrecht foi assinado.
À época, Elizeta determinou que uma cópia de sua decisão pelo arquivamento e do relatório conclusivo da sindicância fossem enviados a Lewandowski, então relator do caso que acabou herdado por Toffoli.
Mesmo assim, Lewandowski não se deu por satisfeito e chegou a afirmar que a sindicância suscitava “muito mais dúvidas e perplexidades do que certezas e convicções”.
Na decisão de 2020, o então ministro do STF também questionou diretamente a perícia dos dados dos sistemas Drousys e MyWebDay, usados pelo setor de Operações Estruturadas na Odebrecht, conhecido como “departamento da propina” e arrolados como evidências no acordo de leniência fechado com a empresa.
De acordo com o relatório da corregedoria-geral do MPF, o material dos dois sistemas foi entregue à Lava-Jato voluntariamente pela empreiteira em discos rígidos – o que se repetiu no acordo paralelo firmado com o Departamento de Justiça dos EUA – e, portanto, sem cooperação de autoridades estrangeiras. A sindicância pondera que a Suíça, posteriormente, solicitou acesso à íntegra dos dados por meio de uma cooperação, que na data da conclusão do relatório ainda não tinha sido cumprida.