O Ministério do Planejamento e Orçamento, comandado por Simone Tebet, ficou escanteado na decisão de como resolver a bomba dos precatórios, segundo diferentes integrantes do governo ouvidos pela Folha.
A área jurídica da pasta foi informada das negociações, mas não houve parecer oficial do órgão sobre o tema. A SOF (Secretaria de Orçamento Federal) tampouco endossou a nota técnica elaborada pelo Tesouro Nacional e pela PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) para dar sustentação aos pleitos da AGU (Advocacia-Geral da União). As informações são da Folha de SP.
Segundo interlocutores, a pasta estava a par das discussões e defende uma solução definitiva para regularizar os precatórios, mas a SOF não assinou a nota porque discorda tecnicamente da decisão de tratar parte dos precatórios como gasto financeiro. A estratégia foi adotada pela Fazenda para aliviar a pressão futura sobre o novo arcabouço fiscal, já que as despesas financeiras não são contabilizadas na regra.
Em outras áreas do governo, chegou a circular que a SOF até se dispôs a assinar o documento, mas queria obter antes um parecer de suas próprias áreas, e não houve tempo hábil para isso.
Internamente, porém, os relatos são de alertas e resistências à saída proposta pela Fazenda. Nesse contexto, técnicos experientes dentro do governo apontam que a abstenção da SOF no documento é simbólica. Uma ala inclusive reconhece, de forma reservada, que o Planejamento ficou a reboque nas discussões.
Na Fazenda, o discurso é o de que a pasta de Tebet apoia a solução e o pedido protocolado no STF (Supremo Tribunal Federal), e a SOF não assinou a nota técnica porque “não era necessário”.
A reportagem procurou o Ministério do Planejamento para obter informações sobre a participação da pasta nas negociações e saber por que a SOF não assinou a nota técnica conjunta, como chegou a ser previsto. A pasta não respondeu até o momento da publicação deste texto.
Nesta segunda-feira (25), a AGU pediu a derrubada do limite para precatórios instituído no governo de Jair Bolsonaro (PL) e propôs o pagamento de parte das sentenças judiciais como despesa financeira, sem esbarrar em regras fiscais.
O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pede ainda autorização para quitar o estoque represado até agora por meio de crédito extraordinário, que também fica fora do alcance dos limites orçamentários. O passivo é estimado em cerca de R$ 95 bilhões, e sua regularização deve elevar a dívida pública.
O posicionamento do órgão jurídico busca abrir caminho para a estratégia do ministro Fernando Haddad (Fazenda) de “despedalar” os precatórios antes de 2027, quando o fim teto para pagamento dessas dívidas poderia detonar uma bomba fiscal superior a R$ 250 bilhões, em números atualizados pelo governo.
O plano do governo de classificar parte do gasto com precatórios como despesa financeira foi antecipado pela Folha em agosto.
Na época, a ministra Simone Tebet deu declarações públicas sinalizando divergências em relação ao caminho pretendido pela Fazenda.
“Eu não sei o que está sendo gestado lá [na Fazenda], esse é um tema que a gente não conseguiu sentar para discutir ainda, as equipes sempre sentam para discutir. Mas nós estamos preparando alguma coisa diferente dessa questão de colocar em despesas financeiras. No nosso ministério, não é isso”, disse Tebet em 15 de agosto.
“Tem alternativas, alternativas saudáveis, alternativas possíveis, alternativas mais flexíveis, que garantam segurança jurídica, que não gerem instabilidade ou qualquer tipo de questionamento em relação ao endividamento brasileiro e nem essa questão de jogar [a despesa] fora necessariamente do arcabouço”, acrescentou a ministra na ocasião.
A proposta do Planejamento, porém, nunca chegou a vir a público. Interlocutores afirmam que a pasta deve continuar trabalhando em opções alternativas para resolver o problema.
A Folha apurou também que a solução apresentada ao STF não passou pelo Conselho de Acompanhamento e Monitoramento de Riscos Fiscais Judiciais, instância criada em decreto de Lula em 12 de janeiro deste ano e na qual Tebet tem assento fixo.
O colegiado foi instituído para tratar dos problemas ligados a sentenças e precatórios. Além de Tebet, os demais integrantes são Haddad e o ministro da AGU, Jorge Messias. Os dois se envolveram diretamente nas negociações, mas o tema não foi submetido ao Conselho.
Entre as competências do colegiado está propor estratégias de aprimoramento da governança sobre os riscos fiscais judiciais da União e identificar e propor atualizações em relação aos procedimentos para reconhecimento, mensuração e evidenciação dos passivos contingentes oriundos de demandas judiciais.
Representantes do Planejamento também ficaram de fora da reunião com o ministro do STF Luiz Fux, que é o relator da ADI (ação direta de inconstitucionalidade) sobre os precatórios.
O encontro ocorreu na última quarta-feira (20) no Salão Branco do STF, espaço destinado a solenidades, e contou com a participação do ministro Jorge Messias, de outros membros da AGU, do secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, e da procuradora-geral da Fazenda Nacional, Anelize de Almeida.
Segundo os relatos, o governo apresentou as linhas gerais da proposta que seria formalizada na segunda. O Executivo é otimista com as chances de obter o aval do Supremo para as mudanças pleiteadas, embora seja ao mesmo tempo cauteloso, uma vez que é difícil antever como cada ministro vai se posicionar em relação ao tema.
Momentos antes de a petição ser protocolada, Tebet deu uma declaração, em evento em São Paulo, de que o governo pretendia resolver o problema dos precatórios “até o ano de 2025”.
“A notícia que eu posso adiantar, não sei se o ministro Haddad já falou sobre isso pela manhã, é que não queremos esperar até 2026, que é o prazo final para voltar a pagar os 100%, estamos vendo em que medida podemos resolver esse problema ainda, no máximo, até o ano de 2025”, disse em um fórum de economia coordenado pelo Centro de Estudos do Novo Desenvolvimento da FGV (Fundação Getulio Vargas).
Como já mostrou a Folha, a relação entre Haddad e Tebet é marcada por um alinhamento que destoa do histórico de atritos entre titulares das duas pastas, mas a aparente sintonia encobre episódios do relacionamento em que ela ficou isolada, foi pouco ouvida ou não explorou todo o potencial de voz quando teve a chance —reforçando o protagonismo do ministro da Fazenda nas discussões.
Parte de seus auxiliares inclusive advoga por uma maior participação da ministra nos temas, mas veem em sua conduta uma preferência por não atropelar ou bater de frente com Haddad.
Folha de SP