Em agosto, um membro do conselho de administração da Petrobras comprou mais de 2 milhões de ações ordinárias da petroleira em duas operações que movimentaram mais de R$ 68,4 milhões. “Apesar de ser um valor relevante para nós, reles mortais, para Juca Abdalla se trata de uma compra marginal”, ponderou um gestor que conversou com o Valor Investe na condição de anonimato.
Uma apuração do Valor apontou que as movimentações, embora não identificadas pela Petrobras no comunicado ao mercado, foram feitas por José João Abdalla Filho, ou Juca Abdalla. O investidor, que tem a fama no mercado de ser o “bilionário mais desconhecido do Brasil”, é um discreto membro do conselho de administração da companhia desde abril de 2022.
A posição consolidada de Abdalla na companhia representa atualmente cerca de 2% do capital da Petrobras. Pode parecer pouco em termos absolutos, mas é considerável em termos reais em se tratando de uma das maiores empresas da América Latina.
Depois das operações, Abdalla, que é um grande investidor em empresas da indústria nacional, passou a deter mais de 174.682 ações ordinárias da Petrobras, segundo a apuração do Valor. Mas o que isso diz sobre o investimento no ativo?
“O fato é que, como conselheiro, ele [Abdalla] está mais próximo daquilo que é mais sensível para as ações da Petrobras atualmente: as negociações com o governo sobre o reajuste de preços de combustíveis”, avaliou Ruy Hungria, analista da Empiricus Research.
Hungria explica que o investimento do último mês indica que o conselheiro provavelmente não estava tão preocupado com o tema quanto boa parte do mercado. “De certa forma, mostra um otimismo com relação à política de precificação, o que seria ótima notícia para os acionistas se tivéssemos a certeza de que essa relação continuaria assim”, complementou.
Para Rodrigo Glatt, sócio e gestor da GTI Investimentos, a investida de Abdalla não levanta qualquer suspeita de algum tipo de movimento motivado por informações privilegiadas. “Na verdade, é bem mais provável que ele tenha considerado um bom investimento, dado que a ação estava negociada a um preço barato”, afirmou.
O preço médio pago por Abdalla para cada papel ficou em R$ 32,81. A ação ordinária valorizou 10,8% nesse meio tempo até o fechamento de ontem.
José Eduardo Daronco, analista da Suno Research, segue o mesmo raciocínio de Glatt e reforça não ver risco de haver informação privilegiada por trás da operação. “O que existe, legalmente, é um conhecimento maior do conselheiro sobre a companhia em relação à média do mercado”, disse.
Daronco reforça que a Petrobras vinha sendo negociada a um valor abaixo do justo, visão compartilhada pela Suno, porque o mercado previa uma intervenção do governo na companhia e a mudança da política de dividendos. Mas esse cenário não se concretizou.
O crescimento da posição de Abdalla com papéis ordinários (que dão direito a voto em assembleias) na verdade apontaria no sentido oposto. O conselheiro da Petrobras representa minoritários e costuma “defender posições da perspectiva de ganhos para a companhia e para os acionistas”, disse Daronco.
“É um movimento importante porque vai ao encontro de como Abdalla já tinha se posicionado na companhia. Mas, ainda que uma compra relevante, é relativamente pequena diante do que ele já tinha”, ponderou o analista da Suno Research.
Outra fonte do mercado ouvida pelo Valor Investe, que preferiu não se identificar, estima que Abdalla tenha recebido mais de R$ 185 milhões em dividendos oriundos da sua posição na Petrobras. Com o capital, supõe o entrevistado, teria reinvestido na companhia, o que muitos investidores qualificados também fizeram por enxergarem potencial de valorização do ativo, além da maior segurança na manutenção da política de dividendos.
A visão dos analistas para o movimento de Abdalla é explicada por Claudio Felisoni, presidente do Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo (Ibevar) e professor da FIA Business School, como uma confirmação de comportamento no mercado.
“A aquisição de participações acionárias por membros do conselho de administração e em posições estratégicas é frequentemente interpretada na literatura financeira como uma indicação de confiança na robustez econômica e nas projeções futuras da referida entidade”, afirmou.
E embora o movimento possa ser interpretado como um sinal otimista, Felisoni orienta que investidores adotem uma postura crítica e conduzam análises independentes, “evitando a dependência exclusiva desses indicativos ao formular estratégias de investimento”, complementou.
Nenhum dos especialistas ouvidos pelo Valor Investe mudou sua estratégia a partir da informação sobre o aumento de posição por Abdalla. O episódio foi lido apenas como um sinal positivo para aqueles que já têm visão otimista para o papel, mas não como uma garantia sobre o futuro da companhia.
“Nada garante que a relação com o governo continuará boa, especialmente se o petróleo continuar subindo e forçar a companhia a implementar mais reajustes de preços nos próximos meses”, disse Hungria.
O analista da Empiricus Research vai além, indicando ao investidor pessoa física que se tenha outros motivos para querer investir na Petrobras que não apenas seguir o movimento de outros investidores. “A compra de ações do conselheiro em agosto não me parece ser um argumento sólido o bastante para que os minoritários invistam nas ações daqui para frente”, complementou.
Glatt, que entende que a Petrobras “está com um preço interessante”, prefere outros papéis na carteira dos fundos da GTI. “Vale está bem mais atrativa agora, inclusive tomou o posto da Petrobras, que foi nossa maior posição no fim do ano passado, na nossa carteira”, concluiu.
Mas afinal, quem é Juca Abdalla?
Dono de uma das maiores fortunas do país, Juca é filho de José João Abdalla, conhecido como J.J.Abdalla, fundador de uma das maiores corporações privadas da história brasileira.
Atualmente como um dos maiores investidores individuais do país, Juca Abdalla fundou e preside o Banco Clássico, criado em 1989 exclusivamente para administrar sua fortuna e gerir seus investimentos na bolsa.
Na sua carteira, Juca Abdalla tem, sabidamente, posições em empresas como Eletrobras, Engie, Cemig e a própria Petrobras. O conselheiro da petroleira é respeitado no mercado financeiro, embora não seja habitué de rodas de investidores, nem seja encontrado em ambientes populares entre “Faria Limers”.
O bilionário não dá entrevistas. Sua fama vem de ganhos com investimentos em grandes companhias brasileiras e, mais recentemente, de ter se tornado conselheiro da Petrobras. Esta última conquista que veio somente em 2022, após uma tentativa fracassada de pleitear um assento no conselho de administração da companhia no ano anterior.
Abdalla é uma figura discreta e pouco conhecida. Sequer se deixa ser fotografado, por isso há poucas imagens do investidor na internet – e as raras encontradas são antigas. Aos 78 anos, o homem que tem um poder significativo em uma das maiores empresas do país ainda é um mistério para a maioria.
Créditos: Valor Investe.