Pouco tempo depois de deixar o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, 75 anos, foi contratado como advogado da J&F. A missão dele seria apresentar um parecer favorável à empresa numa disputa bilionária com a multinacional indonésia Paper Excellence.
O julgamento da reclamação do grupo está marcado para as 10 horas de quarta-feira 20, na 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). O colegiado é composto de cinco desembargadores.
Lewandowski foi chamado para tentar reverter duas decisões contrárias da Justiça em relação à J&F.
Para isso, segundo o jornal O Globo, o ex-ministro recebeu R$ 800 mil, valor que, em função de uma “cláusula de êxito”, irá dobrar. Caso seja vitorioso, Lewandowski receberá R$ 1,6 milhão da companhia.
Ainda de acordo com o jornal, Lewandowski vai prestar consultoria jurídica ao grupo J&F durante dois anos, com remuneração de R$ 250 mil mensais, o que totaliza R$ 6 milhões no período. A soma desse valor com o de um eventual parecer vitorioso, portanto, chega a R$ 7,6 milhões.
Perguntado sobre o valor de R$ 1,6 milhão em caso de vitória do parecer envolvendo a disputa judicial entre J&F e Paper Excellence, Lewandowski respondeu: “Quem me dera.”
O contato de Lewandowski com a J&F ocorreu no último dia 13 de abril, dois dias depois de ele se aposentar no STF, onde permaneceu de 2006 ao início deste ano, conforme informou na época o jornal Folha de S.Paulo. Na ocasião, ele ficou de analisar a possibilidade de elaborar o parecer. Em maio, ingressou na defesa da companhia.
Na época em que era ministro do STF, Lewandowski, em 2021, suspendeu um processo do Tribunal de Contas da União sobre o ressarcimento de R$ 670 milhões da J&F aos cofres públicos. A ação dizia respeito a possíveis irregularidades numa operação na qual foram comprados, pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, ativos do frigorífico Bertin, que havia sido adquirido pela J&F, em 2009.
Em 2017, Lewandowski titubeou durante votação sobre a homologação da delação premiada dos irmãos Wesley e Joesley Batista, donos da J&F, que haviam garantido benefícios jurídicos com as delações relativas a investigações na época, sobre suposta corrupção entre políticos e o governo.
Depois de elogiar a decisão pela homologação, ele mudou de opinião e votou pela possibilidade de revisão da homologação — o que, em tese, prejudicaria quem agora Lewandowski defende.
Lewandowski fez parecer para convencer desembargador conhecido dele há muitos anos
Em relação à atual disputa entre J&F e Paper, O Globo informou que, nos bastidores do processo, há a convicção de que Lewandowski foi contratado por ter uma relação próxima com o desembargador José Benedito Franco de Godoi, da 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJSP.
Nascido no Rio de Janeiro, Ricardo Lewandowski é formado em ciências jurídicas e sociais pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo (SP). Passou a exercer a profissão na cidade do ABC paulista, onde também teve atuação política nos anos 1980. Em 2023, ele recebeu carteira profissional para voltar a atuar como advogado assim que deixou o STF.
Foi em São Bernardo que Lewandowski conheceu Godoi, quando este era juiz na cidade. E Lewandowski, advogado. Depois, ambos se tornaram desembargadores no Tribunal de Justiça de São Paulo, o que os aproximou ainda mais.
No atual caso, a J&F busca reverter duas derrotas que teve na Justiça. Na primeira, em 2021, a Justiça deu razão ao argumento da Paper. A decisão foi ratificada depois, o que configurou a segunda derrota da J&F, pela juíza Renata Maciel, que era titular da 2ª Vara Empresarial e de Conflitos Relacionados à Arbitragem.
A J&F recorreu e tenta derrubar, agora no TJSP essa decisão. Franco de Godoi já negou duas vezes o pedido de liminar da J&F para cancelar a decisão da juíza.
A esperança da J&F é que o parecer de Lewandowski, que tem 14 páginas e aborda questões históricas do Direito, ajude a convencer o desembargador. O ex-ministro diz no texto que a juíza não poderia ter confirmado a arbitragem, porque havia uma liminar que suspendia o processo.
O imbróglio teve início em 2017, quando a J&F vendeu a Eldorado Celulose para a Paper Excellence, por R$ 15 bilhões. No contrato, a multinacional da Indonésia iria adquirir 100% das ações da Eldorado. Desembolsou R$ 3,8 bilhões por 49,41% das ações da empresa. O restante seria pago no prazo de um ano, depois da liberação de garantias das dívidas.
A J&F afirma que o prazo venceu em 2018 e que a Paper não liberou as garantias, conforme o combinado. Já a Paper rebate e diz que a J&F não colaborou para que honrasse as condições.
Segundo a Paper, o que dificultou foi o acréscimo de R$ 6 bilhões, pedido pela J&F, ao valor inicial acordado. A alta ocorreu sob o argumento de que as ações da Eldorado passaram a valer mais depois da alta do preço da celulose e da valorização do dólar. As empresas então recorreram a uma arbitragem para solucionar o impasse. Há possibilidade de o caso ir parar no Superior Tribunal de Justiça.
Em nota, a J&F declarou que tem direito “legítimo de contratar um jurista renomado, professor titular da mais importante universidade da América do Sul (Universidade de São Paulo) e ex-presidente do Supremo Tribunal Federal”. Ainda segundo a companhia, a contratação de Lewandowski não deve servir para a “tentativa de constranger desembargadores horas antes de um importante julgamento.”
Revista Oeste