Um comunicado divulgado pela AliExpress para informar a adesão da empresa ao programa Remessa Conforme, da Receita Federal, movimentou as redes sociais nos últimos dias – principalmente em razão da informação de que as compras acima de US$ 50 terão um imposto total equivalente a 92% do valor do produto mais o frete.
Somada a uma desastrada estratégia de comunicação do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), com propagação de desinformação por autoridades, a mensagem da companhia mais confundiu do que esclareceu consumidores sobre as mudanças na taxação do comércio eletrônico de importados. Na rede social X (antigo Twitter), muito usuários mostraram revolta por entenderem que a certificação do programa Remessa Conforme recebida pelo site chinês seria a causa da tributação. De certa forma, é. Mas a questão não é tão simples.
Ocorre que o Imposto de Importação na verdade já existia, para compras feitas de qualquer empresa. Porém, nem sempre era cobrado. Em muitos casos, o consumidor só pagava o Imposto de Importação caso o produto ficasse retido na alfândega – ou nem isso, caso um vendedor burlasse as regras de alguma forma. Agora, qualquer compra nas empresas enquadradas no Remessa Conforme é tributada imediatamente, o que encarece o produto na origem.
Porém, ao mesmo tempo em que não há mais como evitar a taxação nas compras acima de US$ 50, a adesão da AliExpress ao programa da Receita Federal também é o que garante a isenção do Imposto de Importação no caso das compras abaixo de US$ 50. Isso porque as aquisições feitas em plataformas que não aderiram ao Remessa Conforme são taxadas mesmo nas operações com valor inferior aos US$ 50.
Em paralelo ao Imposto de Importação, que é federal, toda e qualquer mercadoria recebida do exterior sofre a incidência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), tributo estadual, cuja alíquota foi fixada nacionalmente em 17% em junho – antes disso, cada estado podia praticar um porcentual próprio.
Com o Remessa Conforme, o recolhimento dos impostos deixa de ser responsabilidade do comprador e passa a ser feito pelo vendedor, e este já o embute na compra. Assim, o valor total da operação – incluindo o preço do produto, frete e tributos federais e estaduais – é informado ao usuário do site ainda no momento da aquisição.
Ao mesmo tempo, como o consumidor agora paga o imposto logo que compra o produto, as encomendas feitas na AliExpress – e em outras empresas que vierem a se enquadrar no programa – não correrão mais o risco de parar na alfândega à espera do pagamento dos tributos para desembaraço aduaneiro.
O imposto sobre remessas postais internacionais já existe pelo menos desde 1980, instituído pelo Decreto-Lei 1.804/1980. A partir da Portaria do Ministério da Fazenda n.º 156/1999, passaram a ficar isentas as encomendas provenientes de fora do país de até US$ 50 enviadas entre pessoas físicas – não houve reajuste no valor de referência desde então. Sobre as remessas de valor superior, e também sobre qualquer uma que envolva pessoa jurídica, é previsto um imposto federal de importação de 60%.
Com a suspeita de que muitos vendedores estrangeiros vinham declarando informações falsas para utilizar o benefício da isenção para atividade comercial, mesmo em operações com valores superiores a US$ 50, o governo ensaiou acabar com a isenção para pessoas físicas, passando a taxar todas as remessas internacionais.
A reação negativa dos consumidores, em especial nas redes sociais, fez com que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, recuasse. Em abril, ele anunciou que, como alternativa, adotaria um novo modelo de tributação, que chamou de “digital tax”.
“Queremos seguir o exemplo dos países desenvolvidos, adotando o que eles chamam de digital tax. Quando o consumidor comprar on-line ele estará desonerado de qualquer recolhimento, que terá sido feito pela empresa, sem repassar o custo para o consumidor”, disse o ministro à época.
Ao contrário do que afirmou Haddad, porém, o imposto é, sim, repassado ao consumidor – como, aliás, ocorre com o preço de qualquer produto, mesmo no varejo convencional. É por isso que as encomendas acima de US$ 50 no AliExpress ficarão mais caras.
Governo quer acabar com isenção nas compras até US$ 50
O Remessa Conforme foi oficializado no dia 26 de julho por meio de portaria publicada no Diário Oficial da União (DOU), e a alíquota zero para compras de até US$ 50 passou a valer a partir de 1.º de agosto.
O pedido da AliExpress para participar do programa foi feito no dia 30 de agosto, e a autorização da Receita Federal, publicada na edição do dia 1.º de setembro do DOU. Antes da empresa, apenas a Sinerlog já havia recebido a certificação do Remessa Conforme, cuja adesão é voluntária.
Mas a isenção do imposto federal sobre remessas importadas de até US$ 50 pode estar com dias contados. A peça orçamentária de 2024, apresentada pelo governo ao Congresso na semana passada, prevê o fim do benefício a partir do ano que vem.
Ao jornal “O Estado de S.Paulo”, o secretário executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, informou que está sendo considerada uma alíquota mínima de 20%, o que geraria R$ 2,8 bilhões em receitas extras à União. A medida faz parte de um esforço do governo para angariar R$ 168 bilhões e cumprir a meta de déficit zero nas contas públicas em 2024.
O que é o Remessa Conforme?
O Remessa Conforme é um programa da Receita Federal que estabelece tratamento aduaneiro diferenciado para empresas de comércio eletrônico que atendam voluntariamente a critérios estabelecidos pelo órgão. Uma das exigências é informar antecipadamente as informações necessárias para o gerenciamento de risco das remessas internacionais.
Essas informações serão enviadas aos Correios e outras empresas similares habilitadas, que fazem o registro da declaração aduaneira relativa a esse tipo de importação. Assim, a Receita pode tratar as importações de forma antecipada, facilitando o fluxo das remessas internacionais que chegam ao país.
O pagamento dos impostos sobre os produtos comercializados pelas empresas habilitadas também é feito de forma antecipada, o que, juntamente com as informações em conformidade, permite que as encomendas sejam liberadas antes mesmo da chegada ao Brasil.
Segundo a Receita, as remessas continuam a passar por inspeção não invasiva para confirmação de dados e avaliação de mercadorias proibidas ou entorpecentes. Mas, ao fim do processo, os pacotes liberados podem seguir diretamente ao destinatário.
O que muda com o programa?
As empresas que aderem ao programa podem comercializar produtos com valor de até US$ 50 (incluindo frete) com isenção do Imposto de Importação. O ICMS de 17%, porém, incide sobre qualquer compra.
Com o programa, o consumidor passa a fazer o pagamento dos tributos no momento da compra, diretamente na plataforma de comércio eletrônico. Antes, o pagamento do imposto era feito caso a encomenda ficasse retida na alfândega – nessas situações, o consumidor só podia retirar o produto depois de quitar o tributo.
Quais impostos incidem sobre compras internacionais?
Há dois impostos incidentes sobre remessas internacionais: o imposto de importação, de competência federal e cuja alíquota é de 60%, e o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), de responsabilidade dos estados e equivalente a 17%.
Os produtos vendidos por empresas habilitadas no Remessa Conforme e cujo valor total (incluindo frete) é inferior a US$ 50 ficam isentos apenas do imposto de importação. O ICMS é cobrado em qualquer compra, independente de valor.
Como são calculados os impostos?
Os 92% de impostos a que a AliExpress se refere em seu comunicado resultam da aplicação do imposto federal de importação e do ICMS. Além de incidirem em cascata, o tributo estadual equivale, na prática, a um acréscimo de 20,48% por ser calculado “por dentro”. Isso significa que a alíquota do imposto é aplicada sobre uma base que já inclui o próprio imposto.
Um produto que custe US$ 90 e tenha US$ 10 de frete, por exemplo, terá considerado o valor total de US$ 100, ou R$ 497 na cotação atual, para fins de cálculo dos impostos. Sobre esse preço, são recolhidos, primeiro, R$ 298,20 (60%) de imposto de importação, o que eleva o valor total para R$ 795,20. É sobre esse valor que será, enfim, aplicado o ICMS.
Como o ICMS é cobrado “por dentro”, o valor deve ser dividido por 0,83 (100% – 17%), resultando no valor final de R$ 958,07 – o equivalente a 92,77% a mais do que o preço original do produto com o frete.
Preços de compras em plataformas habilitadas pelo Remessa Conforme
Valor com frete (US$) | Valor com frete (R$)* | Imposto de importação | ICMS | Preço final |
US$ 10,00 | R$ 49,70 | R$ – | R$ 10,18 | R$ 59,88 |
US$ 20,00 | R$ 99,40 | R$ – | R$ 20,36 | R$ 119,76 |
US$ 30,00 | R$ 149,10 | R$ – | R$ 30,54 | R$ 179,64 |
US$ 40,00 | R$ 198,80 | R$ – | R$ 40,72 | R$ 239,52 |
US$ 50,00 | R$ 248,50 | R$ – | R$ 50,90 | R$ 299,40 |
US$ 60,00 | R$ 298,20 | R$ 178,92 | R$ 97,72 | R$ 574,84 |
US$ 70,00 | R$ 347,90 | R$ 208,74 | R$ 114,01 | R$ 670,65 |
US$ 80,00 | R$ 397,60 | R$ 238,56 | R$ 130,30 | R$ 766,46 |
US$ 90,00 | R$ 447,30 | R$ 268,38 | R$ 146,59 | R$ 862,27 |
US$ 100,00 | R$ 497,00 | R$ 298,20 | R$ 162,87 | R$ 958,07 |
US$ 200,00 | R$ 994,00 | R$ 596,40 | R$ 325,74 | R$ 1.916,14 |
US$ 300,00 | R$ 1.491,00 | R$ 894,60 | R$ 488,62 | R$ 2.874,22 |
US$ 400,00 | R$ 1.988,00 | R$ 1.192,80 | R$ 651,49 | R$ 3.832,29 |
US$ 500,00 | R$ 2.485,00 | R$ 1.491,00 | R$ 814,36 | R$ 4.790,36 |
US$ 600,00 | R$ 2.982,00 | R$ 1.789,20 | R$ 977,23 | R$ 5.748,43 |
US$ 700,00 | R$ 3.479,00 | R$ 2.087,40 | R$ 1.140,11 | R$ 6.706,51 |
US$ 800,00 | R$ 3.976,00 | R$ 2.385,60 | R$ 1.302,98 | R$ 7.664,58 |
US$ 900,00 | R$ 4.473,00 | R$ 2.683,80 | R$ 1.465,85 | R$ 8.622,65 |
US$ 1.000,00 | R$ 4.970,00 | R$ 2.982,00 | R$ 1.628,72 | R$ 9.580,72 |
*Cotação em 05/09/2023
Gazeta do Povo