Médicos brasileiros formados em Venezuela, Bolívia, Cuba e Paraguai têm o maior percentual de reprovação na primeira fase do Revalida, prova que reconhece a formação estrangeira para atuação de médicos no Brasil.
O levantamento foi feito pela Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) e pela AMB (Associação Médica Brasileira), em complemento ao estudo Demografia Médica no Brasil — que teve sua última edição divulgada em fevereiro.
O que diz o estudo
A pesquisa separou por faculdades a quantidade de médicos (brasileiros e estrangeiros) que fizeram a prova do Revalida em 2023. Na contagem média, foram consideradas apenas as escolas com pelo menos 40 egressos de cursos.
Origem das informações: os dados foram coletados no portal do Revalida do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) e por meio da LAI (Lei de Acesso à Informação). O autor do estudo é o professor e pesquisador Mário Sheffer, da Faculdade de Medicina da USP.
É preciso olhar não só para o desempenho dos indivíduos, mas para a origem do diploma e a qualidade do curso de graduação estrangeiro.
“O alto índice de reprovação não pode ser atribuído apenas ao grau de dificuldade da prova, pois reiteradamente nas últimas edições do Revalida algumas escolas se saem piores do que outras.” – Mário Sheffer, professor da Faculdade de Medicina da USP.
Média de reprovação por país de origem do curso:
Venezuela: 94,6% (92 médicos fizeram a prova, e 87 foram reprovados)
Bolívia: 93,5% (3.099 médicos fizeram a prova, e 2.898 foram reprovados)
Cuba: 90,7% (300 médicos fizeram a prova, e 272 foram reprovados)
Paraguai: 85,6% (2.707 médicos fizeram a prova, e 2.318 foram reprovados)
Rússia: 83,9% (62 médicos fizeram a prova, e 52 foram reprovados)
Argentina: 64,4% (592 médicos fizeram a prova, e 381 foram reprovados)
A média geral de reprovação foi de 87,3%. Estão citados apenas países que tiveram mais de 40 formados inscritos.
Sem vestibular e cursos mais baratos. Brasileiros são atraídos para estudar medicina em faculdades de outros países que não fazem vestibular para acesso e cobram mensalidades mais baixas. Enquanto no Brasil cursar medicina pode custar mais de R$ 10 mil por mês, faculdades na Bolívia, por exemplo, cobram a partir de R$ 600 de um brasileiro. Há vários sites que indicam caminhos e oferecem serviços de ajuda aos interessados.
O levantamento mostra que 84% dos brasileiros que tentaram a primeira etapa do Revalida em 2023 se formaram na Bolívia (44,8% do total) e no Paraguai (39,1%).
Brasileiros x estrangeiros
Uma das novidades do levantamento é a separação de dados entre brasileiros e estrangeiros que fizeram a prova. Em 2023, dos 6.917 brasileiros que fizeram a primeira etapa do Revalida, 6.052 foram eliminados (87,5%). Já entre os estrangeiros, foram 2.265 candidatos, com 1.961 reprovados (86,6%).
Para Scheffer, o dado deve servir de alerta ao governo Lula. O novo Mais Médicos abre uma possibilidade (não executada) de chamar profissionais intercambistas que não tenham passado pela revalidação para atuação no Brasil.
“É importante considerar que a formação dos intercambistas é heterogênea, conforme a escola cursada, o que pode exigir maior ou menor capacitação complementar antes de atuarem em serviços de saúde no Brasil.” – Mário Sheffer, professor da Faculdade de Medicina da USP.
Médicos reclamam de prova
Médicos formados fora do Brasil que prestaram o Revalida costumam reclamar do alto nível da prova. Até mesmo quem passou na primeira fase questiona. É o caso de João Gabriel Rocha Fonseca, formado em 2022 pela Faculdade de Medicina da Universidade de Buenos Aires.
Ele diz que a prova é “feita para aprovar o mínimo possível”, e é dessa forma que os médicos formados fora do país a encaram. Além disso, argumenta que falta critério na formulação e correção de provas.
Nessa prova de 2023, tinha uma questão na área de cirurgia sobre urologia, e os próprios especialistas, de diferentes cursos, não entraram em consenso sobre qual era a resposta correta. Isso dá uma ideia de como algumas questões são feitas de maneira incoerente.
João Gabriel Rocha Fonseca, médico formado na Argentina
A advogada Gabriela Braide, especialista em defesa médica, afirma que há médicos formados em 2009 fora do país, mas que não conseguem exercer no Brasil. “São pessoas que estudam, se dedicam, mas as provas estão mais difíceis a cada ano, com questões em níveis de especialista”, cita.
É uma correção extremamente abusiva. Entramos com processo em alguns casos e conseguimos reverter uma situação que foi capaz de levar o médico à segunda etapa. Eles são muito arbitrários, no sentido de que a própria literatura médica diverge, e o corretor quer aceitar apenas uma versão.
Um médico formado em 2019 na Bolívia (e que não passou no Revalida) comenta que a preparação acadêmica no país é mais baixa que no Brasil, mas defende que ela é suficiente para atuação em áreas de menor complexidade, como na atenção básica. Ele pediu anonimato à coluna.
A prova tem um nível alto, e isso é claramente uma reserva de mercado. Ao mesmo tempo, faltam médicos na Amazônia, no interior do Nordeste, porque eles podem escolher o local. A validação deveria ocorrer ao menos nos locais que os médicos daqui não querem ir.
Médico formado na Bolívia
Inep explica prova
O Inep respondeu à coluna que a prova do Revalida avalia cinco áreas:
Clínica médica
Cirurgia
Ginecologia e obstetrícia
Pediatria
Medicina da família e comunidade
O Inep reconhece que as questões têm graus de “dificuldade variados”.
Nem todos os itens teóricos ou práticos exigem apenas o mínimo esperado para um participante com o perfil similar ao de um médico recém-graduado no Brasil. Se assim fosse, não haveria necessidade de estipular notas de corte.
Sobre o exame, alega que ele tem apoio da comunidade acadêmica para elaboração, revisão, montagem e correção das provas. A elaboração e a revisão de todos os itens que compõem o Banco de Itens do Revalida é realizada exclusivamente por professores de cursos de medicina brasileiros que atendem ao edital de chamamento público. Todos os itens elaborados são revisados por um segundo professor de medicina e por um especialista em avaliação educacional.
Sobre as bancas de avaliação das provas e dos recursos, diz que também são compostas por professores brasileiros com atuação de, no mínimo, cinco anos no ensino médico, “garantindo a diversidade regional dos docentes selecionados, presididas por docentes com experiência de, ao menos, dez anos no ensino médico”.
Portanto, entende-se que o fluxo definido pelo Inep evita eventuais vieses individuais ao garantir que itens, recursos e resultados passem pelas mãos de vários docentes; e prima pela validade e confiabilidade dos resultados da avaliação.
Créditos: UOL.