Uma empresa comandada por um irmão do senador Marcelo Castro (MDB-PI), relator do Orçamento, foi a principal beneficiada na primeira leva de liberações das chamadas emendas de comissão neste ano. De acordo com levantamento do GLOBO, dos R$ 804 milhões empenhados até agora, R$ 62 milhões são destinados às obras da BR-235, rodovia que ligará o Pará ao litoral de Sergipe. A Construtora Jurema, que tem João Costa e Castro como sócio-administrador, é responsável pelo trecho da estrada que corta o Piauí. Do valor enviado à companhia, R$ 12 milhões tiveram como origem uma indicação feita pelo próprio senador e o restante por um deputado aliado. Castro alega que destinou os recursos por ser uma obra importante e que a empresa é uma das principais do estado.
Foto: Agência Senado
Contratada em 2008, a obra da BR-235 tinha previsão de ser concluída em até três anos por outra empreiteira. Após mais de uma década e sucessivos adiamentos, porém, o governo do Piauí decidiu rescindir o contrato com a empresa inicialmente responsável e, em 2019, contratou a do irmão do senador. Em fevereiro deste ano, a gestão estadual publicou um aditivo com a Jurema, adiando em pelo menos mais um ano o atual contrato, que terminaria em dezembro de 2022.
Segundo dados do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (Siop), do governo federal, este foi o primeiro ano em que a obra da BR-235 — cujo orçamento total atual é de R$ 327 milhões — recebeu recursos de emendas. Desde 2008, os valores para a construção da rodovia eram destinados diretamente pelos próprios ministérios.
A construção da rodovia é feita por meio de um convênio entre o governo do Piauí e o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), órgão vinculado ao Ministério dos Transportes, comandado pelo ministro Renan Filho (MDB-AL). Procurados, a gestão estadual e o Dnit afirmaram que a liberação dos recursos obedece ao plano de trabalho apresentado para o andamento das obras. Até o momento, segundo o órgão, foram repassados R$ 201 milhões.
“Os recursos são repassados de acordo com o plano de trabalho e com as prestações de contas acordadas no próprio convênio. O custo total atual da obra é de R$ 327 milhões. Informamos ainda que foram concluídos 90 km, dos 150 km contratados”, diz o Dnit, em nota. Segundo o contrato inicial publicado em 2019 pelo governo do Piauí, o valor previsto para a obra era de R$ 122 milhões.
Foto: Editoria de Arte.
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Dinheiro para aliados
O valor autorizado para a obra neste ano, totalmente bancado pelas emendas de comissão, é de R$ 100 milhões, metade por sugestão do próprio Marcelo Castro via Comissão de Serviços de Infraestrutura do Senado, da qual ele fazia parte. O restante foi apresentado e já liberado pela Comissão de Transportes da Câmara. O responsável pela indicação no colegiado foi o deputado Marcos Aurélio Sampaio (PSD-PI), considerado a aposta de Castro para a disputa da prefeitura de Teresina em 2024. Questionado sobre sua emenda, Sampaio não respondeu.
Além da obra tocada pela empreiteira do irmão, prefeituras aliadas de Marcelo Castro também foram beneficiadas com a liberação de emendas de comissão neste ano. Em 2022, além de relator do Orçamento, o senador era o presidente da Comissão de Educação, Cultura e Esportes do Senado. Metade do valor liberado pelo colegiado — R$ 31 milhões — teve como destino municípios do Piauí. Desse valor, R$ 12 milhões foram para cidades comandadas pelo MDB no estado, mesmo partido de Castro.
Levantamento do GLOBO mostra que os municípios administrados por correligionários do emedebista foram mais beneficiados do que, por exemplo, prefeituras do PP. Dos 86 prefeitos da sigla — rival de Castro no estado — apenas seis tiveram recursos de emendas do colegiado. Por outro lado, 17 das 35 prefeituras do MDB foram agraciadas com valores indicados pela comissão presidida pelo senador.
Castro afirmou, por meio de sua assessoria, que destinou recursos devido a relevância da rodovia federal de 150 quilômetros que atravessará o sul do estado e, quando concluída, permitirá o escoamento da produção agrícola da região. O senador argumenta ainda que a Construtora Jurema é uma das principais empresas do ramo no estado. “A aprovação da sugestão de emenda se deu por votação dos integrantes da Comissão de Serviços de Infraestrutura e não por decisão dele”, diz em nota.
Procurados por meio de telefone, e-mail e mensagens, João Castro e a Construtora Jurema não responderam
Emendas cobiçadas
Antes praticamente ignoradas pelos parlamentares, as emendas de comissão se tornaram cobiçadas após o fim do orçamento secreto. Quando o STF considerou as chamadas emendas de relator inconstitucionais, em dezembro de 2022, parte dos recursos foi redirecionada para as comissões. De 2020 a 2023, o valor das indicações feitas por senadores e deputados nos colegiados saltou de R$ 639 milhões para os atuais R$ 7,57 bilhões.
O envio de recursos por essa via se tornou atrativo porque, diferentemente das indicações individuais, não há limite de valor por parlamentar — desde que tenha o aval da maioria da comissão. Para o ano que vem, conforme O GLOBO revelou, uma articulação no Congresso tenta transformar essas emendas em impositivas, o que obrigaria o governo federal a liberá-las. Hoje, cabe a cada ministro decidir se envia ou não o dinheiro.
Atualmente, as emendas individuais e as de bancada têm o pagamento obrigatório. O Planalto controla, contudo, o fluxo de pagamentos, tarefa a cargo da Secretaria de Relações Institucionais. O modelo gera irritação nos parlamentares, ora porque há repasses que ficam represados, ora porque são liberados em paralelo a votações importantes no Congresso, passando a sensação de que o apoio está atrelado ao despejo de dinheiro nas bases.
Fonte: O Globo.