A Prefeitura de São Paulo começou a instalar 400 novas placas na cidade para orientar motoristas a chegarem ao Autódromo de Interlagos, na zona sul da capital paulista. Mas o fato intriga moradores e trabalhadores de certas regiões da cidade. Isso porque algumas dessas sinalizações foram colocadas no miolo de bairros que ficam a mais de 40 km de distância do autódromo.
Procurada pelo R7, a prefeitura afirma que o aumento na quantidade de placas que indicam o caminho para o autódromo está relacionado à quantidade de eventos no lugar. Em setembro deste ano, ocorre em Interlagos a primeira edição do festival de música The Town.
Caminho longo e complicado
Em 12 km de extensão, a avenida Aricanduva, na zona leste de São Paulo, possui 11 placas de orientação para o Autódromo de Interlagos, a 42 km de distância. O espaço entre as sinalizações não segue um padrão — varia de 300 m a 1 km —, e as três últimas estão localizadas perto da Radial Leste.
Ao ver a placa na altura do número 4.455 da via, a primeira reação de Ebert Henrique, de 38 anos, foi rir. “Por que colocaram essa placa bem aqui?”, questiona o motorista.
Para o homem, “não faz sentido nenhum, nem tem necessidade”, colocar a indicação em um local tão distante do autódromo. “Estamos mais perto do parque do Carmo, e há mais orientação para Interlagos do que para lá”, diz.
“Daqui para o autódromo é um caminho muito longe e complicado. Quem está aqui e vai para Interlagos não vai nem procurar por uma placa dessas. Próximo à Radial faz sentido, porque é o caminho, mas aqui não”, afirma Henrique.
Por meio da Secretaria Municipal de Mobilidade e Trânsito, a Prefeitura de São Paulo informou que as 400 novas placas que indicam o caminho para o Autódromo de Interlagos estão sendo implantadas em 30 vias localizadas em todas as regiões da cidade e nos principais eixos de acesso à capital.
O especialista em engenharia de trânsito Horácio Figueira, no entanto, afirma que esta é uma falha gritante da gestão municipal: “Quatrocentas placas de orientação para o Autódromo de Interlagos é um número extremamente exagerado, além de desnecessário, já que nem todas estão posicionadas em pontos estratégicos”, diz.
Boliva Fernandes, de 53 anos, é comerciante e dono de uma lanchonete localizada próximo à avenida General Edgar Facó, na zona norte de São Paulo, a 32 km de distância do Autódromo de Interlagos.
Quando viu a placa em frente ao seu comércio, Boliva logo previu que a nova sinalização causaria mais confusão do que orientação.
“Quem passa por aqui e não conhece pode achar que está próximo [do autódromo], quando na realidade está a vários quilômetros de distância. Se guiando só pelas placas, daqui, ninguém chega ao Autódromo de Interlagos”, afirma.
Placas estratégicas
Boliva ainda levanta outra questão. “O bairro precisa de muitas outras placas que fariam muito mais sentido. Temos três hospitais na região, e quase não existem indicações de caminho até eles.”
O especialista Horácio Figueira ressalta que a prefeitura falha na sinalização vertical e que deveria investir em placas necessárias para cada região. “Há centenas de locais na cidade que não têm orientação de trânsito básica, como ‘conversão proibida’ ou ‘proibido estacionar’. Em outros, ainda que com placas, muitas estão apagadas e degradadas, precisando de manutenção“, afirma.
Para Figueira, a instalação de orientações para o Autódromo de Interlagos nos extremos norte, leste e oeste de São Paulo é um “desperdício do dinheiro público e não agrega nada para motoristas que vêm de longe”.
“Enquanto a prefeitura joga dinheiro no lixo com 400 placas dessas, sinalizações educativas e com informações realmente relevantes para o bairro, como indicação para hospitais, poderiam resolver muitos problemas de trânsito e ajudar, de fato, os condutores”, complementa.
Atrativos turísticos
Segundo a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego), a cidade de São Paulo tem atualmente quase 2.700 placas instaladas, que sinalizam cerca de 240 atrativos turísticos. Todas têm fundo de cor marrom, tarja branca e pictogramas de acordo com o local indicado. No caso do Autódromo de Interlagos, o desenho é uma bandeira de corrida.
O projeto foi elaborado pelo POT (Programa de Orientação de Tráfego Turístico) e, no caso do autódromo, tem o objetivo de facilitar o acesso de usuários provenientes de rodovias, aeroportos e centros hoteleiros.
“A instalação dessas placas tem foco na presença de um grande contingente de pessoas/turistas de fora da cidade, do estado e do país, que chegam pelas mais diversas regiões e que não conhecem a capital paulista”, escreveu a companhia em nota.
O administrador Gabriel Vinicius, de 31 anos, presenciou a implantação de uma dessas placas em frente ao seu condomínio, localizado na avenida Raimundo Pereira de Magalhães, em Pirituba, na zona norte, no dia 7 de agosto.
Indignado, ele afirmou que as sinalizações para o autódromo não são funcionais nessa região. “Quem vem de fora não se hospeda aqui. Nem há hotéis pelo bairro”, informou o morador.
“Nessa avenida, as pessoas vêm do mais extremo, e não é uma região em que se costuma passar indo para o autódromo”, afirma. “Quem vai para Interlagos ou conhece a região ou recorre ao GPS.”
Eventos no Autódromo de Interlagos
Sobre o Autódromo de Interlagos, a Prefeitura de São Paulo afirma que “o local é um grande polo de eventos esportivos e culturais e recebe corridas de ciclismo e automobilísticas, como de Motovelocidade, Fórmula 1, Stock Car, Super Bike Series, Fórmula Truck, Motocross, entre outras. Atualmente, também é palco de grandes festivais de música, como o Festival Primavera Sound, Lollapalooza e The Town. Também ocorrem eventos variados, como festivais de música, corridas de pedestres, escola de pilotagem etc.”.
Victoria Lacorte, de 21 anos, foi ao Lollapalooza em março e já está com ingressos comprados para o The Town. No trajeto para o autódromo, a estudante de psicologia foi da zona leste até a estação Pinheiros do Metrô, onde fez baldeação para a Linha 9-Esmeralda do trem.
“Para mim, ir de carro não compensa. O trânsito, o custo da gasolina e o preço do estacionamento não valem a pena. No caminho, de metrô e CPTM, não tive problemas”, disse a jovem, que pretende repetir o percurso em setembro. “No meu caso, as placas não são úteis”, afirma.
Victor Hugo Pereira, de 21 anos, é fã de Fórmula 1 e costuma ir com frequência ao Autódromo de Interlagos. Embora use o GPS, o morador da região da Casa Verde, na zona norte da capital paulista, não vê necessidade do posicionamento de placas perto de sua casa, a cerca de 30 km do local.
“Essas placas nessa região não fazem sentido. Quem sai da zona norte não consegue chegar ao autódromo se guiando apenas pelas placas. Pelo contrário, pode até acabar se perdendo”, diz.