Na última semana, o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu, por maioria de votos, que é possível a responsabilização civil de jornais por declarações dadas por um entrevistado, ao julgar um caso com repercussão geral. Não foi, no entanto, fixada tese, já que há divergência sobre quais circunstâncias permitiriam a punição aos veículos jornalísticos. A tese será estabelecida em momento posterior.
No entendimento dos advogados consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico sobre o tema, a decisão do STF pode resultar em autocensura. As informações são do ConJur.
O voto com maior número de adesões foi proferido pelo ministro Alexandre de Moraes. Segundo ele, a liberdade de imprensa é consagrada pelo binômio “liberdade com responsabilidade”, admitindo-se, assim, a possibilidade de análise e punição pela publicação de informações “comprovadamente injuriosas”.
Para André Fini Terçarolli, que defende a Editora Três, responsável pela publicação de revistas de circulação nacional, como a IstoÉ, a depender da tese fixada, a decisão pode acabar levando a casos de autocensura, uma vez que os veículos terão de fazer “um controle prévio das respostas do entrevistado”.
“Obriga-se o jornalista a ir atrás de elementos de corroboração da declaração. Sendo tomadas as devidas precauções de amoldar aos parâmetros exigidos para a citação de diálogos alheios, com a colocação de aspas e referências de quem seria seu autor, não haveria que se falar em responsabilidade civil do jornal.”
Taís Borja Gasparian, que defende veículos como Folha de S.Paulo e UOL, diz que, também a depender da redação da tese, a decisão pode imputar aos veículos uma responsabilidade que não é deles.
“A opinião de entrevistados, sobretudo a dos entrevistados que são pessoas públicas, é de interesse público, e os veículos tem o dever de divulgação. É importante que essa redação não impute aos veículos uma responsabilidade que não é deles.”
Dinovan Dumas, sócio do escritório MFBD Advogados, considera a decisão “inadequada sob vários aspectos”, já que a ideia de responsabilizar a imprensa esbarra “no fato de que os jornais são ‘veículos’ para a circulação de informação”, e que essas informações às vezes circulam justamente por meio de falas de entrevistados.
“A decisão pode representar um verdadeiro entrave à pedra de toque da atuação da imprensa, que é informar a sociedade”, opinou o advogado.
O processo foi ajuizado pelo ex-deputado federal Ricardo Zarattini Filho, que militou contra a ditadura militar. Em entrevista dada ao jornal Diário de Pernambuco, um simpatizante do regime de exceção acusou Zarattini de ter participado de um atentado a bomba em 25 de julho de 1966, no Aeroporto de Guararapes, que matou três pessoas. Representou o ex-parlamentar na causa o advogado Rafael Carneiro.
O causídico comemorou a decisão. Para ele, ainda que declarações sejam feitas por um entrevistado, a imprensa tem o dever de “contextualizá-las”.
“O jornal publicou acusações gravíssimas contra o deputado Ricardo Zarattini sem sequer ouvi-lo e sem tomar qualquer providência para checar se havia indício mínimo de veracidade nas falas do entrevistado, o chamado dever de diligência”, afirmou Carneiro. “Esse tipo de conduta pode causar danos irreparáveis para a vida de uma pessoa, pois os leitores presumem que o que é publicado por um meio de comunicação segue os critérios da veracidade. Mesmo que as falas sejam de um entrevistado, ainda assim a imprensa tem o dever de contextualizá-las.”
Gabriel Constantino e Laura Godoy, sócios da banca Godoy & Constantino Advogados, afirmaram que a tese proposta por Alexandre de Moraes “busca resguardar a liberdade de imprensa e o princípio da intimidade do indivíduo mediante a responsabilização do autor que proferiu as informações falaciosas.”
“Contudo, há que se ponderar que a tese proposta pelo ministro colide com o princípio constitucional da presunção de inocência, ao presumir a culpabilidade do indivíduo alvo da matéria jornalística, condicionando uma eventual responsabilização do veículo de imprensa à comprovação posterior de que aquelas informações publicadas são inverídicas”, poderaram eles.
Teses propostas
Segundo Alexandre, as acusações contra Zarattini não tratavam de fato inédito, mas de acontecimento antigo já “coberto pelo manto” da Lei de Anistia, e há indícios de que o ex-deputado não participou do atentado. O ministro também disse que o Diário de Pernambuco atuou com “negligência” ao publicar a entrevista.
“Vale mencionar que eram imputações gravíssimas, em face das quais, por dever de ofício, deveria o jornal, no mínimo, ter colhido a versão daquele que estava sendo acusado na entrevista em foco, ou, ao menos, ter contextualizado a entrevista, mencionando as outras versões já divulgadas sobre o fatídico episódio, de forma que o leitor pudesse livremente decidir no que acreditar”, disse na decisão.
Alexandre propôs a fixação da seguinte tese:
A plena proteção constitucional à liberdade de imprensa é consagrada pelo binômio liberdade com responsabilidade, não permitindo qualquer espécie de censura prévia, porém admitindo a possibilidade posterior de análise e responsabilização por informações comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais, pois os direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas”.
O ministro Edson Fachin votou pela possibilidade de condenação, mas propôs tese menos ampla. Para ele, só é devida indenização por dano moral por empresa jornalística quando se reproduz unilateralmente acusação contra ex-dissidente político, “imputando-lhe crime praticado durante regime de exceção”.
Segundo o ministro, a declaração que liga Zarattini ao atentado foi dada com base em informações produzidas por governo de exceção democrática, o que exigiria cuidado redobrado do jornal quanto à publicação da acusação. A imputação foi feita pelo ex-delegado da Polícia Civil Wandenkolk Wanderley, apoiador da ditadura e de posições anticomunistas.
“O direito à verdade, ainda que se dirija a uma atuação positiva do
Estado, tem como pano de fundo de racionalidade a impossibilidade de
confiar-se inteiramente nas informações produzidas por governos de
exceção democrática. No que concerne aos dissidentes políticos, esta
situação se torna dramática porque sua capacidade de produzir prova de
sua inocência encontra-se largamente reduzida”, disse o ministro.
“Não existindo evidência do incremento dos protocolos de apuração da verdade, é impossível afirmar que a reprodução inconteste de entrevista de indivíduo identificado como ex-policial, ex-vereador e ex-deputado alinhado ao regime de exceção possa ser enquadrada no exercício regular de liberdade de imprensa”, prosseguiu ele, que foi acompanhado pela ministra Cármen Lúcia.
Fachin propôs a seguinte tese:
Somente é devida indenização por dano moral pela empresa jornalística quando, sem aplicar protocolos de busca pela verdade objetiva e sem propiciar oportunidade ao direito de resposta, reproduz unilateralmente acusação contra ex-dissidente político, imputando-lhe crime praticado durante regime de exceção”.
O terceiro posicionamento que admitiu a possibilidade de responsabilização de jornais foi proposto pelo ministro Luís Roberto Barroso.
Para ele, só é possível responsabilizar civilmente jornais por declarações de terceiros quando, à época da publicação, havia indícios concretos de falsidade da imputação e quando o veículo deixou de observar o “dever de cuidado” na verificação da veracidade dos fatos e ao divulgar informação com indícios de falsidade.
“Na linha do que registrou o ministro Alexandre de Moraes, cabia ao veículo de comunicação ter apresentado a versão daquele que estava sendo acusado na entrevista ou, pelo menos, mencionado as outras versões já divulgadas sobre o episódio, de modo a permitir que o leitor, de posse de todas as informações e versões sobre o caso, formasse sua opinião”, disse o ministro em seu voto. Barroso foi acompanhado pelo ministro Nunes Marques.
Barroso propôs a seguinte tese:
Na hipótese de publicação de entrevista em que o entrevistado imputa falsamente prática de crime a terceiro, a empresa jornalística somente poderá ser responsabilizada civilmente se: (i) à época da divulgação, havia indícios concretos da falsidade da imputação; e (ii) o veículo deixou de observar o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos e na divulgação da existência de tais indícios”.
Voto do relator
O relator da matéria, ministro Mauro Aurélio (aposentado), entendeu que empresas jornalísticas não podem responder civilmente por declarações de entrevistados, desde que o jornal não emita opinião sobre o caso.
No voto, Marco Aurélio disse que empresas podem ser responsabilizadas quando cometem desvios, mas que isso não acontece quando os jornais se limitam a divulgar uma entrevista.
“A intervenção do Judiciário dá-se voltada ao controle do abuso. No caso, a conduta do jornal não excedeu o direito-dever de informar. Entender pela responsabilização, ao que se soma a circunstância de tratar-se de julgamento sob a sistemática da repercussão geral, sugere o agasalho de censura prévia a veículos de comunicação”, afirmou. Ele foi seguido pela ministra Rosa Weber, presidente do Supremo.
Marco Aurélio propôs a seguinte tese:
Empresa jornalística não responde civilmente quando, sem emitir opinião, veicule entrevista na qual atribuído, pelo entrevistado, ato ilícito a determinada pessoa”.
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ConJur