O julgamento no STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a descriminalização do porte de drogas causou críticas de senadores nas últimas semanas. A leitura, principalmente de congressistas da oposição, é de que a Corte estaria invadindo as prerrogativas do Legislativo.
No entanto, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), também tem demonstrado certo incômodo com a atuação recente do STF. Segundo apurou o Poder360, Pacheco estaria mais impaciente depois de decisões da Corte sobre o piso de enfermagem, implementado por decisão do Congresso, e com a participação do ministro Luís Roberto Barroso no evento da UNE (União Nacional dos Estudantes). O desgaste teria se iniciado com o caso. As informações são do Poder 360.
A leitura foi de que a Corte não estava colaborando para diminuir a temperatura na relação entre os Poderes.
O mal-estar fez com que Pacheco se pronunciasse sobre o caso em plenário. Também concordou com uma sessão temática sobre drogas na Casa, realizada na última 5ª feira (17.ago.2023).
“Qualquer decisão sobre o tema deve ser tomada através de uma discussão liderada pelo Poder Legislativo brasileiro, lugar próprio para o debate do tratamento jurídico que deve definir a política de drogas no Brasil“, disse Pacheco durante a sessão.
“A decisão do Parlamento é a única com legitimidade e deve ser tomada após debate amplo, qualificado e plural a respeito do tema e da política de drogas no Brasil, inclusive qualquer natureza de descriminalização“, disse Pacheco no início de agosto.
Entre as principais críticas dos senadores está o fato de o tema de não criminalizar usuários já ter sido discutido no Congresso Nacional. A principal discussão na Corte, além da descriminalização do porte de drogas, é a quantidade para diferenciar o uso pessoal do tráfico de drogas, o que segundo alguns integrantes do Congresso também seria uma competência do Legislativo.
Segundo os senadores, o julgamento no STF seria uma provocação política e um excesso da Corte. Alguns congressistas da oposição falam em medidas oficiais contra uma eventual decisão em favor da descriminalização do porte de maconha.
O líder do Governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), afirmou ao Poder360 que o STF só deveria atuar em questões envolvendo inconstitucionalidade, mas também disse entender que a Corte não pode se isentar quando é provocada, ou seja, quando um caso chega aos ministros. O senador afirmou, no entanto, que o “desarranjo institucional” virou regra nos últimos anos e a volta à normalidade leva um tempo.
LEGISLATIVO OU STF?
Um dos principais argumentos dos congressistas é que essa é uma decisão que deve ser tomada pelo Legislativo. Levantamento realizado pelo Poder360 mostra que o Congresso já teve ao menos 15 projetos sobre o porte de drogas.
No entanto, atualmente há somente 2 que tratam sobre o tema diretamente. Mas não há consenso sobre como caracterizar o porte: um projeto descriminaliza a prática, o outro, criminaliza.
Por outro lado, especialistas em direito criminal discordam da visão de integrantes do Legislativo e afirmam que a ação no STF foi a julgamento devido a “inércia” do Congresso. O advogado Pierpaollo Botini afirma que é “evidente” competência do Legislativo para decidir, mas o Supremo também tem a “incumbência” para decidir sobre o tema.
“O Supremo Tribunal Federal discute uma questão de constitucionalidade, se é lícito ou não a utilização do direito penal para aquele que porta drogas para o uso próprio. É evidente que o Poder Legislativo tem competências e atribuições para tratar do tema também, mas na medida em que não houve qualquer evolução nessa discussão no Poder Legislativo, o Supremo Tribunal Federal tem a incumbência de analisar se as regras penais são ou não compatíveis com a Constituição. É isso que ele faz no momento”, afirmou ao Poder360.
O julgamento que trata sobre a descriminalização do porte de drogas para uso pessoal é uma das prioridades da presidente do STF, ministra Rosa Weber, antes da sua aposentadoria compulsória, em 2 de outubro. Além da análise, Weber está comprometida a pautar outros temas que esbarram com o Congresso Nacional, como a descriminalização do aborto, que já é criticada por congressistas antes mesmo de ser pautada na Corte.
Apesar de ter elencado suas prioridades, o tempo de Weber na Corte é curto. A presidente tem a ambição de pautar temas espinhosos, mas as análises devem congestionar a pauta da Corte, como aconteceu com o julgamento de 4 ações que tratam da implementação do juiz de garantias, que ocuparam 10 sessões na Corte.
Há a expectativa de que o próximo presidente, Luís Roberto Barroso, siga alinhado com Weber durante sua gestão.
JULGAMENTO NO STF
O julgamento que trata sobre a descriminalização do porte pessoal de drogas será retomado nesta 5ª feira (24.ago.2023) pelo Supremo. Na última sessão para analisar o tema, em 2 de agosto, o ministro Alexandre de Moraes votou a favor da descriminalização do porte de maconha para uso pessoal. O ministro estabeleceu um parâmetro para um indivíduo ser considerado usuário: 25 a 60 gramas de maconha ou 6 plantas fêmeas de cannabis.
O julgamento foi suspenso a pedido do relator, ministro Gilmar Mendes. Em 8 de agosto, Gilmar liberou o caso para julgamento, mas a análise de 4 ações sobre a implementação do juiz de garantias adiou ainda mais o debate.
A ação em curso na Corte questiona o artigo 28 da Lei das Drogas (Lei 11.343 de 2006), que trata sobre o transporte e armazenamento para uso pessoal. As penas determinadas são brandas: advertência sobre os efeitos, serviços comunitários e medida educativa de comparecimento a programa ou curso sobre uso de drogas. A definição da quantidade de drogas para diferenciar uso pessoal do tráfico é um dos grandes pontos do julgamento.
O julgamento foi iniciado em 2015, mas ficou paralisado por pedido de vista do então ministro Teori Zavascki. Ele morreu em um acidente aéreo em 2017. Ao assumir o lugar deixado por Teori, o ministro Alexandre de Moraes herdou o caso e o liberou para votação em novembro de 2018. Agora, o caso está sob a relatoria de Gilmar Mendes.
Até agora, 4 ministros já votaram: Gilmar Mendes, Edson Fachin, Roberto Barroso e Alexandre de Moraes. Como tem repercussão geral, o que for decidido pela Corte afetará todas as outras ações do tema que tramitam na Justiça do país.
Gilmar votou pela inconstitucionalidade do artigo 28 e aplicação de sanções administrativas para os casos de uso pessoal, sem punição penal. Fachin, Barroso e Moraes seguiram o relator no voto pela inconstitucionalidade do artigo 28, mas limitaram o voto ao porte pessoal de maconha.
Poder 360