Enquanto o Brasil vive um inverno ameno, países da Europa e os EUA passam por semanas de temperaturas extremamente altas, em meio a um verão seco e quente.
É provável que, enquanto você lê esta reportagem, quem está em países como Espanha, França, Alemanha, Polônia e Itália esteja procurando como aliviar o calor intenso.
O momento atual é, em parte, explicado pela geografia: em latitudes médias e altas, um quadro chamado de anticiclone tende a se formar. As informações são do G1.
Ele faz com que a circulação atmosférica — diferença de aquecimento entre as regiões equatoriais e polares — crie áreas de alta pressão, comprimindo e elevando a temperatura do ar.
Essas áreas de alta pressão contribuem para o tempo seco e estável, que pode elevar as temperaturas e, consequentemente, a ondas de calor.
“Esse fenômeno também impede a formação de nuvens, fazendo com que os raios solares cheguem muito fortes. O calor faz com que o solo perca a umidade rapidamente, deixando todo o ambiente seco e quente”, explica o climatologista Carlos Nobre, ex-presidente do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas e doutor em meteorologia pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos.
Nobre aponta que este é um processo natural do verão no Hemisfério Norte — mas as mudanças climáticas têm feito com que essas ondas de calor se tornem mais frequentes e fortes.
André Turbay, mestre e doutor em Gestão Urbana, professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e coordenador do ClimateLabs — programa da União Europeia para mitigação da crise climática, explica que o fenômeno vai além da Europa.
“Também tivemos isso em outras áreas do Hemisfério Norte. Foi registrado um pico de 52,2ºC na China [no município de Sanbao, em Xinjiang] e de 51ºC nos Estados Unidos [em Corpus Christ, Texas]”, diz Turbay.
E no Brasil? Devemos nos preparar para um verão mais quente do que o normal e um calor tão intenso quanto o visto agora em outras partes do mundo?
Brasil não está ‘a salvo’ de ondas de calor, mas impacto pode ser diferente — Foto: Getty Images via BBC.
O que esperar no Brasil?
Os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil explicam que, apesar de o país não ter as mesmas características geográficas do Hemisfério Norte, não está a salvo de ondas de calor cada vez mais fortes e recordes de temperatura.
No entanto, Nobre explica que esse tipo de fenômeno pode ter um impacto um pouco diferente aqui do que nas regiões mais ao norte do planeta justamente porque o calor é mais comum.
“Uma diferença importante é que, pelas características tropicais do país, as populações estão um pouco mais acostumadas com temperaturas altas — principalmente os moradores de regiões semiáridas no Nordeste”, aponta o climatologista.
“As ondas de calor são sentidas de forma diferente do que na Europa.”
No Brasil, onde o clima favorece as temperaturas mais altas, as mudanças climáticas, que impactam o mundo todo e a degradação de diferentes biomas podem levar a verões cada vez mais quentes, diz Turbay.
“A gente observa pelos dados de séries históricas que temos o aumento da temperatura no território brasileiro também, principalmente em áreas que já são reconhecidas como de calor intenso, como o Centro-Oeste”, afirma o professor da PUCPR.
O recorde de calor registrado no Brasil foi justamente na região citada por Turbay.
Em novembro de 2020, os termômetros chegaram a 44,8ºC em Nova Maringá, no centro-norte de Mato Grosso, segundo dados do Instituto Nacional de Meteorologia.
O mesmo ano teve outras cidades com recordes de temperaturas: em 30 de setembro, Cuiabá (MT) alcançou 44ºC, e, em 1º de outubro, Água Clara (MS) chegou a 44,4ºC.
“Coberturas verdes dando lugar a grandes áreas voltadas para a agricultura, a redução das áreas florestais na Amazônia e o ambiente do Cerrado, que já tem características de seca… Tudo isso contribui para a tendência da potencialização de eventos climáticos extremos”, avalia Turbay.
Verão brasileiro pode ter ‘graus a mais’
De abril a setembro, o Centro-Oeste, Sudeste e parte do Norte e Nordeste brasileiro experimentam uma temporada com pouca chuva.
É durante o fim dessa estação seca que historicamente ocorrem os períodos de maior aquecimento nessas regiões.
No sul do Brasil, por outro lado, os picos de calor acontecem durante o verão, quando a chuva é mais irregular e os dias, mais longos.
Mas, em 2023, o país será afetado pelo fenômeno climático El Niño, que contribui para uma primavera e verão com temperaturas em torno ou acima da média, favorecendo períodos prolongados de calor mais intenso.
“Em geral, durante o segundo semestre, ou seja, no final da primavera e verão, é esperado que a temperatura fique acima da média em grande parte do centro-sul do Brasil”, aponta Estael Sias, meteorologista do Metsul.
“No entanto, no Sul, o El Niño pode trazer mais dias de chuva, o que tende a reduzir os períodos de calor mais persistentes para esta região — mas não exclui essa possibilidade, especialmente considerando o aquecimento global dos oceanos, que pode também contribuir para esses eventos extremos.”
A especialista aponta que os eventos extremos, como os observados na Europa, no entanto, têm o potencial de ocorrer em momentos diferentes do ano, sendo mais prováveis no Centro-Oeste entre setembro e novembro, e no Sul do Brasil durante o período de verão climático, que abrange dezembro a fevereiro.
“Ainda é cedo para estipular temperaturas, mas modelos europeus preveem que podemos ter 2 ou 3 graus acima da média.”
Temperaturas em alta
As temperaturas do planeta vêm se elevando nas últimas décadas.
Especialistas apontam que esse fenômeno, conhecido como aquecimento global, é causado pelo acúmulo crescente de dióxido de carbono e outros gases causadores do efeito estufa na atmosfera, graças à queima de combustíveis fósseis e ao desmatamento.
Quanto maior a quantidade de dióxido de carbono e outros gases na atmosfera, pior o impacto para a vida na Terra.
Esses gases são responsáveis por absorver a radiação solar refletida pela superfície do planeta, o que faz com que o calor fique retido na atmosfera.
Assim, o mundo fica cada vez mais quente, acelerando mudanças climáticas e aumentando o risco de eventos climáticos extremos, como as ondas de calor intensas vistas agora no Hemisfério Norte, além de incêndios naturais, monções e enchentes.
Com as temperaturas aumentando em toda a Terra, há, segundo os especialistas, duas palavras de ordem: mitigação e adaptação.
A mitigação envolve medidas a longo prazo para proteger o planeta.
Na última edição da Conferência das Partes, encontro da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a COP26, quase 200 países assinaram o compromisso de tentar garantir o cumprimento da meta de limitar o aquecimento global a 1,5°C.
O objetivo do acordo é reduzir as emissões muito rapidamente, diminuindo-as em 50% até 2030, e alcançar emissões líquidas zeradas dos gases de efeito estufa antes da metade do século, seguido pela remoção significativa de dióxido de carbono da atmosfera na segunda metade do século.
“No entanto, não estamos caminhando nessa direção, pois as emissões em 2022 foram as mais altas registradas desde o final do século 18, com a evolução industrial, principalmente crescendo muito nos últimos 50 a 60 anos em todo o mundo”, avalia Nobre.
“Portanto, a situação do clima é extremamente arriscada, mesmo que tenhamos sucesso total no acordo de Paris [acordo prévio que foi aperfeiçoado na COP26]”, avalia Nobre.
Já a adaptação, aponta Turbay, busca proteger a população mais vulnerável aos eventos climáticos extremos.
“É o cenário que temos na América Latina, com uma população maior [em relação à Europa] em situação de vulnerabilidade”, diz o professor.
“Temos populações sofrendo por conta da seca, de deslizamentos de terra, chuvas… Além das próprias ondas de calor que devem se potencializar nos próximos verões. Por isso eu digo que é impossível dissociar o lado social do ambiental.”
Para que o país possa se proteger para os riscos dos eventos meteorológicos extremos, na avaliação do professor, além das mudanças globais, o Brasil requer uma política nacional forte e unificada.
“A partir disso é que geramos políticas públicas mais locais com eficiência, para Estados e municípios.”
G1