O governo de Vladimir Putin considera inviável a adoção no futuro próximo de uma moeda comum dos Brics, bloco integrado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, para transações internacionais. A ideia é defendida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
“Muitos países estão no caminho de usar moedas nacionais em acertos financeiros comuns. Certamente, há discussões de especialistas sobre isso. Mas claramente isso vai demorar tempo e dificilmente poderá ser implementado no futuro próximo”, afirmou o porta-voz de Putin, Dmitri Peskov, em conversa com repórteres nesta quinta (3).
Lula tem sugerido de forma repetida que o Brics adote o mecanismo, aproveitando a onda de desdolarização em transações entre países não alinhados com o Ocidente. A Rússia, sitiada por sanções ocidentais desde que invadiu a Ucrânia em 2022, é um exemplo: hoje ela recebe pelo seu petróleo com desconto em yuans, a moeda chinesa, de compradores indianos.
Pequim tem se favorecido do movimento, com maior presença de sua moeda em negócios na América Latina, por exemplo. Daí a ter uma moeda comum do Brics, ainda mais com a disparidade política entre seus membros, vai um longo caminho.
Os russos, por óbvio, propagandeiam a ideia de que o dólar, padrão das negociações internacionais, está em decadência. “A desdolarização na economia global está avançando sem pausa. O uso de moedas nacionais já é uma realidade, que cresce em escala global”, afirmou. É verdade, mas não na escala que desejaria o Kremlin, ao contrário.
O interesse brasileiro, por sua vez, é de reviver os Brics como entidade alternativa —Lula chegou a decretar a morte política do G7, clube das maiores economias do planeta, excetuando China e Índia. O problema começa, no bloco criado em 2006 e ampliado em 2011 com os sul-africanos, justamente com essa dupla: Pequim e Nova Déli são rivais diretas na Guerra Fria 2.0, com os indianos cada vez mais próximos do Ocidente.
Críticos veem a ambição de Lula como uma tentativa de manter-se relevante no palco internacional, em que promoveu movimentos desastrados ao tentar mediar negociações entre russos e ucranianos. Tem investido na ideia dos Brics, entre fragmentado, particularmente com o instrumento do NDB (Novo Banco de Desenvolvimento, sigla inglesa do banco do bloco), que é dirigido pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT).
“Do ponto de vista mundial, os Brics podem ter um papel excepcional. Todo mundo sabe que eu defendo que a gente tenha uma moeda própria para fazer comércio entre os países. Por que o Brasil precisa de dólares para fazer comércio com a Argentina?”, disse Lula em encontro com jornalistas na quarta (2).
Na semana passada, Dilma esteve com Putin às margens de uma cúpula Rússia-África, que visava mostrar ao mundo que o Kremlin não está tão isolado, mas que resultou em críticas de Pretória à saída russa do acordo de exportação de grãos de Kiev no mar Negro e promessas de doações por parte de Moscou a países pobres.
Lá, tocou violino para Putin, falando da necessidade da desdolarização. Ao mesmo tempo, contudo, teve de negar que houvesse qualquer chance de fazer novos negócios do NDB com a Rússia enquanto valerem as sanções ocidentais, já que isso colocaria a solvência da instituição sob risco em caso de punições.
Tudo isso antecede a reunião dos Brics na África do Sul, que ocorre de 22 a 24 deste mês. Ali, o componente político já dá o tom: Putin não irá comparecer para não correr o risco de ser preso, já que os anfitriões são signatários do tratado que criou o Tribunal Penal Internacional, que em março emitiu uma ordem de prisão contra o russo por supostos crimes de guerra.
Segundo a Folha ouviu de diplomatas envolvidos na elaboração do evento, a cúpula pode ter uma baixa ainda mais importante. Narendra Modi, o premiê indiano cortejado no Ocidente, deverá participar como Putin, por meio de videoconferência.
A informação foi divulgada na imprensa indiana no começo desta semana, de forma extraoficial, mas tudo indica que é verdadeira. Confirmada, será uma prova do peso dos Brics das relações no grande jogo da política internacional, dado que a Índia vive um atrito enorme com a China, que vê como rival geopolítica na Ásia —para não falar nos problemas fronteiriços dos países.
Assim, como disse Peskov, a chance de qualquer avanço que não seja discussão sobre moeda única parece mínima. “As conversas irão continuar”, afirmou. Outro tema controverso na mesa é a entrada de novos membros no clube, que só foi expandido uma vez.
Lula tem insistido na entrada argentina, país governador por um aliado esquerdista em grave crise econômica e social. Mas o próprio banco de Dilma já teve de negar ajuda, justamente pelas condições precárias de solvência de Buenos Aires. Na quinta, ele também defendeu a entrada da rica Arábia Saudita no bloco, ao qual outra ditadura, a Belarus aliada de Putin, já fez pedido de adesão.
Folha de SP