O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), passa por um momento de transição. A paixão que os agentes econômicos e financeiros desenvolveram pelo petista no 1º semestre vai arrefecendo. A Faria Lima já não acredita mais que o governo federal vá zerar o deficit público em 2024, como mostra o boletim Focus divulgado semanalmente pelo Banco Central.
No Congresso, a equipe econômica tem sofrido derrotas e é pressionada a encontrar fontes de receita para custear propostas do governo, como o aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda.
No Palácio do Planalto, Haddad vive uma situação inusitada. Nas últimas semanas teve um tratamento mais frio por parte do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O ministro costumava ser recebido muitas vezes a sós no gabinete presidencial. Em encontros recentes, Rui Costa (Casa Civil) sempre estava presente. Ser recebido a sós pelo presidente é um dos sinais de prestígio em Brasília.
É possível que Lula e Haddad tenham conversado mais durante a viagem à África do Sul para a cúpula do Brics. Fora do país, as conversas tendem a ser mais informais e podem ajudar na reaproximação. Mas o que vale é o dia a dia na capital federal.
Haddad ficou irritado recentemente quando soube que a Câmara dos Deputados não iria aprovar uma medida provisória com taxação de empresas offshores –empresa mantidas por brasileiros legalmente no exterior.
Na sequência, deu uma entrevista criticando o poder exacerbado de deputados, em uma declaração que desagradou ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Essa atitude do ministro produziu uma simpatia da ala mais tradicional do PT, crítica ao Centrão, grupo comandado por Lira.
Desde a sua indicação para comandar a economia, a trajetória de Haddad teve 3 momentos.
1º, o seu anúncio como ministro desagradou ao establishment, que via no petista uma pessoa inadequada para o posto.
Passaram-se alguns meses, veio a 2ª fase: Haddad ganhou protagonismo na relação com o Legislativo ao negociar a aprovação da reforma tributária na Câmara e outras propostas econômicas. Foi elogiado por Lira e até por líderes da oposição. Passou a ter também a confiança da Faria Lima, que viu no ministro um moderado dentro do governo.
O 3º momento de Haddad é a fase atual. O ministro já não está tão prestigiado pelos agentes econômicos e financeiros. Lula o trata com certa frieza. O czar da economia criou uma desavença com Lira, justamente quem mais o elogiava dentro do Centrão.
A declaração oblíqua teve como alvo esse grupo de partidos, que é quem exerce o poder na Câmara. Talvez sinalize algo que é inescapável para um pré-candidato a presidente (caso de Haddad): quem decide o nome do postulante ao Planalto é o PT, um partido ainda majoritariamente de esquerda.
A declaração de Haddad em 14 de agosto, de que a Câmara está “com muito poder”, foi entendida no Congresso e por empresários não como um deslize, mas como um ponto de inflexão. Com dificuldade de encontrar recursos e em baixa com Lula, integrantes do setor econômico interpretaram a fala como uma forma de o ministro se reaproximar da base mais tradicional do PT em busca de apoio.
A analogia usada por empresários é de que Haddad voltou a ser um pouco daquele que produziu “um pulo na cadeira” quando Lula anunciou, no final de 2022, que ele seria o comandante da economia.
Na 3ª feira (22.ago.2023), Haddad sofreu derrota na Câmara. Deputados rejeitaram trecho da proposta do marco fiscal que abriria espaço de R$ 32 bilhões a R$ 40 bilhões no Orçamento de 2024. Uma emenda aprovada no Senado permitia a possibilidade de crédito adicional. A derrubada é um revés para o governo Lula, mas em especial, para Haddad.
O texto agora vai à sanção do presidente. O marco fiscal foi aprovado com uma votação expressiva de 372 votos a favor. Mas quando se tratou de derrubar a emenda que daria até R$ 40 bilhões para equipe econômica, a rejeição foi acachapante: 423 votos a favor. Uma derrota duríssima para Haddad, principal defensor do dispositivo. A retirada do trecho já havia sido sinalizada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) em jantar do PoderIdeias na 2ª feira (21.ago).
Na 4ª feira, Haddad minimizou a derrota. Disse que Câmara e Senado haviam encontrado “um denominador comum” para aprovar o texto. De acordo com ele, a mudança não foi rejeitada no mérito, mas o problema era se o novo marco fiscal era o local adequado para esse debate.
Também na 4ª, Haddad teve que pedir para Lira segurar a votação do projeto que estende até 2027 a desoneração da folha de pagamento. O presidente da Câmara pautou a votação para a próxima 3ª (29.ago), mas o ministro quer que o tema seja analisado apenas no fim do ano.
Haddad agora tem um grande desafio: provar que suas previsões de receitas extras na casa de R$ 200 bilhões vão de fato virar realidade. Há muitas dúvidas sobre se esse cenário vai mesmo se consumar. De outra forma, corre o risco de acelerar um processo de enfraquecimento no cargo.
Poder 360