Entre os 15 e os 17 anos, eu morei na rua. Saí de casa porque meu padrasto era violento, usava cocaína e me batia. Quando você é criança, aceita algumas coisas. Mas adolescente, começa a ter algumas ideias erradas. Pensei em machucar ele, mas não queria fazer isso. Achei melhor sair de casa. Minha mãe era muito jovem, sozinha em São Paulo, somos de Pernambuco. Acabou ficando com ele.
Achei que podia me sustentar na rua vendendo figurinhas. Dormia debaixo de uma banca de jornal na praça Rotary, no centro de São Paulo. Tinha medo de ratos me morderem e de encontrar bandido.
Tomava banho no Sesc Consolação. Consegui uma carteirinha com um professor de jiu-jítsu. Comprava roupas baratas, porque nem sempre tinha onde lavar, precisava me apresentar bem para trabalhar. Guardava minhas coisas no vestiário do Sesc. Comecei a achar perigoso ficar à noite na rua e descobri uma lan house. Passava a noite dormindo na cadeira.
Conheci muita gente do Mackenzie na lan house. Um aluno me chamou para entrar na escola para conhecer. Fiquei com medo, mas entrei. Fiquei maravilhado, queria ter estudado lá.
Um dia vi um grupo de executivos do Pão de Açúcar indo para uma padaria, perto de onde eu vendia figurinhas. Ofereci as figurinhas e um deles quis comprar. Eu disse: ‘Se você me der um emprego, te dou toda essa caixa de figurinhas’. Ele me deu um cartão e pediu para eu procurá-lo na loja da Teodoro Sampaio, em Pinheiros. Fui e consegui o emprego de repositor de hortifrúti.
Já tinha 17 anos, fui morar com a minha tia, saí da rua. Mas fiquei pouco mais de um ano no Pão de Açúcar. Um dia, fui pegar uma caixa e minha coluna saiu fora do lugar. O médico me recomendou não pegar peso.
Mas não teve jeito: só consegui trabalho de pedreiro. Doíam demais as costas, mal conseguia dormir à noite, ficava no chão. Já estava casado com a Joyce e ela esperava nosso filho, Jhonatan. Pensei: não posso ficar nessa vida, não vou aguentar.
Até que reparei no pessoal trabalhando de segurança. Eles ficavam paradinhos, não pegavam peso. Achei que seria uma boa. Fiz um curso de segurança e consegui um emprego. Vi que, pelo horário, eu poderia encaixar outra jornada. Consegui dois empregos de vigilante e fiquei por vários anos assim. Até a Joyce começou a trabalhar comigo também.
Mas chegou uma época, por volta de 2014, que as empresas começaram a demitir. Vi muitos amigos perdendo o emprego. A vivência na rua te acende esse senso de alerta: você percebe rápido quando as coisas não estão bem. Em um dos parques onde eu trabalhava como vigilante, vi que o pipoqueiro não estava dando conta do recado. Tinha espaço para mais gente ali.
Mantive um dos trabalhos de vigilante e comprei um carrinho de pipoca. Dividia o trabalho com a Joyce, que já tinha saído do emprego. Começamos a vender bem, senti firmeza, deixei o emprego e comprei o segundo carrinho. Fui comprando mais e oferecendo mais coisas: cachorro-quente, açaí, churros, batata frita, pastel. Hoje a gente tem dez carrinhos– quatro estão na rua e outros seis a gente usa em eventos aos fins de semana.
Muitas pessoas boas me ajudaram ao longo da minha jornada. Meu sogro, por exemplo, que me emprestou o dinheiro para comprar meu apartamento, na Cohab. Logo vamos sair de lá e vou comprar minha casa.
Meu maior orgulho é meu filho, que conseguiu bolsa no Colégio Mackenzie. Aquele mesmo onde eu dormia perto, quando morava na rua. Já contei minha história para ele, para que ele saiba que na vida é tudo muito suado. Mas se a gente tem fé, acredita em Deus, acredita na gente, as coisas acontecem.
Fonte: Folha de São Paulo.