O comandante do Exército, general Tomás Paiva, enviou uma ordem interna para todos os militares com uma série de medidas para intensificar o processo de “fortalecimento da coesão” e valorização da “família militar”.
As medidas incluem um esforço para afastar a imagem de que o Exército atua fora da legalidade e, com foco nas patentes mais baixas, estudar uma proposta de aumento salarial para os militares.
A ordem fragmentária nº 1 foi assinada por Tomás em meio ao turbilhão de críticas que o Exército tem recebido pelo envolvimento das cúpulas militares no governo de Jair Bolsonaro (PL), na atuação diante dos acampamentos golpistas e na participação de membros da Força em casos de corrupção investigados pela Polícia Federal.
“Os quadros da Força devem pautar suas ações pela legalidade e legitimidade, mantendo-se coesos e conscientes das servidões da profissão militar, cujas particularidades tornam os direitos e os deveres do cidadão fardado diferentes daqueles dos demais segmentos da sociedade”, escreve Tomás no início do documento, em trecho que analisa o cenário atual.
A situação do Exército, prossegue o texto, apresenta a necessidade de consolidar o “sentimento de pertencimento” dos militares à Força e a vontade de melhorar a comunicação diante do “desconhecimento, por parte da sociedade, das ações desenvolvidas pela Força Terrestre”.
Com a ordem, Tomás tenta solucionar dois problemas identificados pelo comando do Exército, segundo generais ouvidos pela Folha.
O primeiro é um problema interno. Com o aparecimento de dezenas de militares em investigações da Polícia Federal e na CPI do 8 de Janeiro, acrescida pela decepção de parte dos militares pela vitória eleitoral de Lula (PT), a cúpula do Exército percebeu a necessidade de aumentar a satisfação dos militares.
Para isso, o comandante criou grupos de trabalho para apresentar propostas para aumentar o salário dos militares —em especial, os de baixa patente—, aperfeiçoar o Sistema de Saúde do Exército e o Sistema Colégio Militar do Brasil e aumentar o número de moradias militares.
Especialmente com o reajuste salarial, a cúpula do Exército tenta arrefecer críticas de que os militares de alta patente, especialmente os oficiais-generais, têm dezenas de benefícios que inflam os salários em detrimento dos praças e suboficiais.
O segundo problema é externo. Na avaliação da cúpula militar, a imagem da Força tem sido degradada por crimes e manifestações de oficiais que não representam o Exército. Seria o caso do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro que segue preso por mais de 3 meses, e o coronel Jean Lawand, que incentivou um golpe contra Lula.
Para inverter a situação, a Força busca criar pautas positivas e criar uma associação nacional de “amigos do Exército Brasileiro” para proporcionar a “interlocução com personalidades e autoridades civis”.
A ordem fragmentária foi divulgada nos canais internos do Exército na última sexta-feira (18). Seu teor é um avanço da ofensiva de Tomás para ampliar a comunicação com as tropas e reverter um cenário de piora na percepção pública sobre as Forças Armadas.
O ato também precede uma reunião dos comandantes das três Forças com o ministro José Múcio Monteiro (Defesa) e Lula, no Palácio da Alvorada, no último domingo (20). No encontro, segundo relatos feitos à Folha, os chefes militares disseram estar comprometidos com a punição de oficiais envolvidos com os atos antidemocráticos de 8 de janeiro.
Militares de variadas patentes, de sargentos a oficiais-generais, das três Forças Armadas, mas sobretudo do Exército, são investigados por suspeita de corrupção e malfeitos durante e depois do governo Bolsonaro.
Revelações de dois de seus antigos colaboradores, um mais fiel e outro esporádico, colocaram o ex-presidente nas cordas das investigações da Polícia Federal e do STF (Supremo Tribunal Federal).
Os responsáveis por esse novo acuamento são o tenente-coronel Mauro Cid, seu ex-ajudante de ordens na Presidência, e o programador Walter Delgatti Neto, conhecido como hacker da Vaza Jato, chamado por bolsonaristas na campanha eleitoral para atuar na cruzada contra as urnas eletrônicas.
Tanto Cid como Delgatti estão presos —o primeiro sob suspeita de adulterar o seu cartão de vacinação, o de Bolsonaro, o de sua esposa, Gabriela Cid, e de uma de suas filhas; e o segundo por uma trama para prejudicar o ministro Alexandre de Moraes, do STF.
Já Bolsonaro foi recentemente condenado pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) por mentiras e ataques ao sistema eleitoral, ficando assim inelegível pelos próximos oito anos, e ainda enfrenta uma série de ações na Justiça, como a suspeita de responsabilidade nos ataques golpistas do 8 de janeiro.
Como mostrou a Folha, nos bastidores do Exército, é dado como certo que Cid “vai pro barro”. A gíria da caserna, usada por um oficial que comentou a situação, é sinônimo de que um militar será punido.
No caso do ex-ajudante de ordens de Bosonaro, a aposta é que ele será excluído da corporação e perderá sua patente caso condenado na Justiça comum –hipótese também considerada muito provável diante dos fatos já revelados nas investigações em que Cid está envolvido.
Cid está preso há três meses e meio num batalhão da Polícia do Exército em Brasília sob suspeita de ter falsificado cartões de vacinação de Bolsonaro e familiares e é investigado em outros casos, como o do vazamento de dados sigilosos sobre a urna eletrônica e os ataques golpistas do 8 de janeiro.
Folha de SP