Atentos a um mercado que movimentou R$ 21 bilhões no ano passado, grandes hospitais particulares — como Sírio-Libanês (SP), BP (Beneficência Portuguesa de São Paulo) e Rede D’Or São Luiz (RJ) — planejam abrir suas próprias graduações em medicina entre 2024 e 2027.
📈Contexto: Os grupos aguardam apenas a diretrizes do Ministério da Educação (MEC) para darem continuidade aos processos burocráticos, que estarão inicialmente condicionados ao que a pasta determinar como regra para o fim do veto a novas faculdades de medicina no Brasil, decidido após 5 anos de “congelamento” de vagas.
⤴️Tendência: Essa prática de empresas entrarem no ramo de educação para formar profissionais também é observada no mercado de finanças e tecnologia — a corretora XP e o banco BTG, por exemplo, abriram recentemente faculdades e passaram a capacitar mão de obra.
Na área da saúde, a iniciativa de grandes grupos hospitalares oferecerem graduações não é nova: o Hospital São Camilo (SP), por exemplo, abriu seu curso em 2007. Mas o grande marco aconteceu em 2016, quando o Hospital Israelita Albert Einstein, um dos maiores do país, inaugurou a própria faculdade de medicina.
Apesar do fim do veto, mercado ainda limitado
🧐Perspectivas: O MEC deve publicar, até 6 de setembro, um edital com tudo o que será exigido de qualquer nova faculdade de medicina no Brasil, levando em conta as necessidades do sistema público de saúde.
Só poderão ser abertas vagas em instituições de ensino nos municípios que, segundo o governo federal, tiverem estrutura adequada para aulas práticas (como leitos disponíveis) e carência de médicos.
Este último aspecto, que associa as vagas às necessidades do Mais Médicos e do SUS, é alvo de questionamentos jurídicos: a Justiça tem 220 pedidos de empresas que querem abrir cursos independentemente deste critério. O tema deve ser decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
✏️Mais faculdades surgindo: boa ou má notícia?
Na área da saúde, com a baixa evasão de alunos nos cursos de medicina e as mensalidades elevadas (que chegam a R$ 12 mil), há um interesse crescente do setor privado em abrir novas vagas.
Diante desse aumento significativo de faculdades, há três desafios:
garantir a qualidade de ensino aos estudantes de medicina;
abrir cursos em regiões com leitos disponíveis para alunos fazerem as aulas práticas e a residência;
tornar a distribuição de profissionais mais igualitária entre os municípios.
O fato de grandes hospitais quererem abrir ainda mais cursos é algo negativo, dado esse “boom” de faculdades privadas? Ou, com a estrutura moderna, a tradição na área da saúde e a experiência prática, pode ser um alívio em um setor que sofre com a formação inadequada de médicos?
Segundo Donizetti Giamberardino, membro do Conselho Federal de Medicina (CFM), não é possível generalizar.
“O importante é que seja uma escola sustentável, de qualidade, e que forme bons médicos nas regiões corretas. Precisa haver um interesse social. Vemos hoje um mercado selvagem de empresas que buscam abrir cursos apenas como fonte de receita financeira. Um médico com formação ruim pode ser perigoso para a sociedade”, diz.
Na visão de representantes dos grandes hospitais ouvidos pelo g1, os grupos buscam a abertura de vagas em busca de inovação e de cumprir uma missão social, e não para formação de mão de obra direta, embora afirmem haver carência de profissionais bem-preparados no mercado.
“Devemos oferecer ensino de qualidade e estimular para que os profissionais levem essa formação para os lugares onde existe demanda, não só para o Sírio. É o que vem acontecendo nos nossos programas de pós: alguns egressos voltam para as suas cidades de origem e desenvolvem lá suas carreiras”, afirma Fernando Ganem, diretor-geral médico da instituição.
Ao investirem em educação, os representantes afirmam ainda que os hospitais conseguem se aproximar mais da área de inovação e do que é praticado no exterior.
“As atividades vão se complementando. Você atende o paciente e busca o melhor para ele; nas pesquisas, descobre novos tratamentos; e no ensino, transmite todo o conhecimento. Instituições americanas e europeias também vêm tentando manter esse tripé”, diz Felipe Spinelli, diretor-executivo do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino, da Rede D’Or São Luiz.
👨⚕️Por que novas vagas agora?
Em abril deste ano, terminou o período de vigência de uma portaria criada em 2018, pelo então presidente Michel Temer, que proibia a criação de novas vagas e cursos de medicina no país. Era uma tentativa de controlar a qualidade da formação de profissionais de saúde, depois de um aumento significativo de faculdades privadas.
De 2018 a 2023, apenas instituições que entraram na Justiça e obtiveram liminares específicas conseguiram ampliar as vagas.
Com o fim desse “congelamento”, criou-se a expectativa de qual seria a postura do MEC: voltar a permitir novos cursos ou prolongar a proibição deles? A pasta decidiu pela primeira alternativa, mas não como uma liberação total.
A criação de cursos e vagas de medicina passou a ser condicionada a chamamentos públicos (ou seja, o próprio governo publica editais sinalizando em quais municípios as faculdades podem ser abertas, considerando as necessidades e a estrutura do Sistema Único de Saúde, e, a partir disso, as instituições de ensino podem se candidatar para preencher as vagas).
O primeiro chamamento público deveria ter sido divulgado até 6 de agosto de 2023, mas o MEC prorrogou o prazo por mais 30 dias.
Até o início de setembro, portanto, como ainda não é possível saber quais serão os critérios de exigência da pasta, os hospitais seguem tentando se preparar com base em editais antigos, de antes de 2018, para adiantar os processos de elaboração de programas pedagógicos e de construção do campus, por exemplo.
“Estamos aguardando ansiosamente pelas determinações do MEC para abrirmos nosso curso de medicina. Está tudo pronto, só precisamos ver como vão descrever as exigências no edital”, afirma Spinelli, do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino.
Batalhas na Justiça
Mesmo diante da decisão de liberar as vagas de medicina apenas por chamamento público, há 220 pedidos na Justiça de mantenedoras de educação que alegam inconstitucionalidade – querem abrir cursos independentemente do Mais Médicos e das necessidades do SUS. Se todos forem aprovados, serão 35 mil novas vagas, afirma Guilherme Valdetaro, sócio do escritório Sergio Bermudes Advogados e representante da Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup).
“São cursos que valem muito dinheiro”, afirma.
Em 7 de agosto, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes reforçou que limitar a criação de cursos de medicina apenas por chamamento público é uma prática constitucional, e que os juízes não devem conceder liminares a favor de universidades que lutam pela “liberdade de mercado”.
A decisão será debatida no plenário do STF no fim de agosto.
Créditos: G1.